No Brasil, num cenário de leilões regulados mais escassos e menores desde 2016, o mercado livre está se transformando, de um nicho de mercado para uma grande oportunidade de negócio para a energia renovável.
O futuro da energia renovável está em grande parte no mercado livre, não só no Brasil mas no mundo todo. No Brasil, num cenário de leilões regulados mais escassos e menores desde 2016, o mercado livre está se transformando, de um nicho de mercado para uma grande oportunidade de negócio para a energia renovável.
E o mais interessante, é que esta movimentação tem sido fomentada pela competitividade cada vez maior das fontes renováveis. É uma movimentação de mercado importante que só comprova o que recentes estudos de instituições como a Bloomberg e da Agência Internacional de Energia Renovável têm mostrado: que as renováveis já são as fontes mais competitivas em grande parte do mundo. E vão continuar a ser.
2015 foi o ano em que o mundo começou a instalar mais GWs de energia renovável do que energia fóssil. E esta transição energética que começou em 2015 só irá se intensificar. 50% da eletricidade global em 2050 será solar FV e eólica – esta é a principal mensagem do New Energy Outlook da Bloomberg deste ano: “50 em 50”. Isso significa que quase 10 trilhões de dólares serão investidos em energia renovável no mundo até 2050. Deste valor, 8,4 trilhões de dólares serão investidos especificamente em geração solar fotovoltaica e eólica.
Figura 1: Investimento global em geração de energia elétrica, 2018-2050 (trilhões de dólares)
E no Brasil? De acordo com a Bloomberg, esta transição também acontecerá em nosso país. 44% da matriz elétrica brasileira será representado pelas fontes solar fotovoltaica e eólica, que passarão a ser duas das três principais fontes de energia elétrica do Brasil.
Mas como chegaremos lá? São diversos os motivos para esta transição em direção às energias renováveis, no Brasil e no mundo:
- Queda dos preços das tecnologias eólica e solar fotovoltaica: os preços dos módulos fotovoltaicos (que podem representar até 40% do custo dos projetos) já caíram 83% desde 2010, e cairão pelo menos mais 37% até 2025;
- Crescimento da participação de “capacidade flexível”, que irá representar quase 20% da capacidade instalada global em 2050, as baterias, que possibilitarão que a energia renovável seja armazenada e utilizada quando necessário;
- O crescimento dos veículos elétricos é outro viabilizador importante da expansão da energia solar fotovoltaica: os veículos elétricos representarão 9% da demanda elétrica global em 2050;
- A diversificação e barateamento do financiamento dos projetos de energia renovável, uma vez que as instituições financeiras, investidores e o consumidor estão cada vez mais confortáveis com o perfil de risco de projetos renováveis;
- Entre outros, como por exemplo, o crescimento do mercado livre e sua abertura, que possibilitará o aumento do volume de energia elétrica negociado nesse ambiente além de expandir o número de consumidores no ACL.
O mercado livre tem sido uma importante vertente do crescimento das renováveis no planeta nos últimos anos. Ele é uma tendência global, e uma grande oportunidade para a energia renovável também no Brasil. De acordo a figura abaixo da Agência Internacional de Energia Renovável, empresas e corporações representam 2/3 do consumo de energia no mundo. As corporações, de olho em oportunidades de redução de custo, inovação, flexibilidade e sustentabilidade de suas operações tem mirado alternativas renováveis fora do mercado regulado. Os países em amarelo são aqueles que têm algum tipo de atividade de mercado livre para energias renováveis.
Figura 2: Países em que corporações compraram energia renovável até o final de 2017
Fonte: IRENA, 2018
Nos Estados Unidos por exemplo, só em 2018 mais de 5 GW de PPAs bilaterais de energia renovável foram assinados no mercado livre, Tratam-se de contratos bilaterais de energia renovável comprada por consumidores como Facebook, Microsoft, Apple, Google, etc. Naquele país, em 2018, mais de 70 empresas compraram energia renovável no mercado livre. Um número importante dessas empresas inclusive já tem metas de 100% de energia renovável- meta vista por essas empresas como “bons negócios” hoje e no futuro. diversas dessas empresas tem inclusive metas de 100% de energia renovável até 2040, portanto estão olhando além dos preços da energia hoje. Outro fator que estas empresas estão olhando é o impacto que um possível preço no carbono poderá ter em seus negócios no futuro.
Figura 3: PPAs bilaterais entre consumidores e geradores de energia renovável nos EUA
Fonte: RMI, 2018
Especificamente no Brasil, alguns números importantes sobre o mercado livre: ele representa 31% de toda energia consumida no país, com 19 mil MW médios. O mercado livre cresceu 11% ao ano nos últimos 4 anos, enquanto o mercado cativo caiu 3.3% ao ano no mesmo período. Este crescimento foi puxado pelos consumidores especiais, que cresceram 61% só em 2017. Além disso, apenas 60% das empresas elegíveis para migrarem para o ACL já o fizeram. 55% da geração de energia renovável gerada já é vendida no mercado livre. E finalmente 38% do consumo do mercado livre vem de eólicas, biomassa e PCHs. Portanto, o ambiente de contratação livre apresenta uma oportunidade enorme para a expansão das renováveis. Além disso, as mudanças regulatórias no modelo do setor elétrico brasileiro devem favorecer uma abertura ainda maior para este mercado.
No Brasil, a atividade do setor eólico e solar fotovoltaico no mercado livre tem se concentrado em 2 frentes. Na primeira frente estão os modelos chamados híbridos onde cada vez uma parte maior da energia de projetos contratados em leilões do mercado regulado é vendida no mercado livre. O objetivo é maximizar o retorno desses projetos, que tem alcançado preços cada vez mais baixos nos leilões. A segunda frente reúne os projetos desenvolvidos exclusivamente para o mercado livre. Em ambos os casos, os preços praticados no mercado livre têm se mostrado mais atraentes para o gerador do que os preços praticados no mercado regulado. Porém, é importante precificar o risco de um PPA no mercado livre vs PPA no mercado regulado.
Existem mais de 2 GW de projetos eólicos e outros 2 GW de projetos solares fotovoltaicos com PPAs no mercado livre no Brasil. Especificamente para a fonte solar fotovoltaica a tendência é recente: todos os PPAs foram contratados em 2018, devem já estar operacionais até 2022, e foram PPAs assinados nos 2 leilões da CEMIG, além de outros PPAs assinados entre geradores e comercializadoras. O crescimento do mercado livre é prova da crescente maturidade e competitividade das energias renováveis no Brasil, e seguirá sendo forte tendência.
Em relação à energia eólica, há 1 ano a CELA Clean Energy Latin America conduziu uma pesquisa com as principais empresas geradoras de energia eólica, comercializadoras de energia e alguns potenciais off-takers que possuíam projetos eólicos com PPAs no ACL. O objetivo era fornecer um panorama do segmento no país, com foco nos modelos de negócio utilizados. Foram analisados 50 projetos eólicos com PPAs assinados e em vias de assinatura. A energia contratada era de 723 MWm, aproximadamente 1,5 GW de capacidade instalada. Alguns dados interessantes que obtivemos com esta pesquisa foram:
– O volume médio de energia contratada no ACL era de 27 MWm por contrato, sendo que o maior contrato era de 97 MWm e o menor de 9 MWm;
– 68% possuíam perfil de entrega mensal de energia flat, e 32% perfil de entrega mensal de energia de acordo com a carga do off-taker;
– O prazo médio dos contratos era de 6,6 anos, o contrato com maior prazo era de 20 anos e o de menor prazo com 1,5 anos;
– 58% dos contratos foram assinados com comercializadoras, e 42% diretamente com o cliente final / indústria;
– Nenhum dos PPAs levantados pelo estudo foram estruturados em moeda estrangeira;
– 71% dos projetos foram financiados pelo BNDES, 14% pelo BNB e 15% por bancos multilaterais.
Apesar do crescimento da representatividade do ACL para as energias renováveis, existem diversos desafios e dúvidas importantes que os projetos, empreendedores e financiadores têm enfrentado para viabilizar esses projetos FV no mercado livre. Primeiro, qual será o papel e estratégias dos financiadores dos projetos de energia renovável no ACL? Qual será o papel dos bancos públicos, tendo em vista sua recente menor atuação no financiamento de projetos de infraestrutura no Brasil? Qual será o papel das debêntures, que atingiram recorde em 2018, no contexto de juros mais baixos? E qual a precificação e custo dessas debêntures para projetos no mercado livre? E os multilaterais (BID, IFC) e ECAs (Export Credit Agencies), finalmente aumentarão seu papel no financiamento de projetos no Brasil?
Segundo, qual será a financiabilidade dos projetos no ACL, a grande questão hoje? qual será a viabilidade de financiar off-takers no mercado livre? E o prazo do PPA necessário para que estes projetos sejam financiados? PPAs e garantias rolantes serão mesmo uma realidade viável? Serão aceitáveis para o financiamento desses projetos receitas pós PPA sênior? E a falta de previsibilidade dos preços do PLD, qual será seu impacto na financiabilidade dos projetos? E as garantias? Hoje são necessárias garantias corporativas robustas para o financiamento dos projetos no ACL. Existem soluções viáveis para este gargalo? Os bancos inclusive solicitam garantias de comercializadoras para o suprimento da energia para o contrato. PPAs em dólar serão viáveis e ajudarão a financiabilidade dos projetos?
Finalmente, e mais importante e estratégico, como lidar com as potenciais mudanças regulatórias, e incerteza do desconto da TUSD, além da separação de energia e lastro? O mercado livre é uma janela de oportunidade ou oportunidade de longo prazo para projetos de energia renovável? O Brasil quer incentivar as fontes renováveis e limpas, em linha com as mudanças climáticas e o Acordo de Paris?
De qualquer forma, cada vez mais notícias de projetos de fontes renováveis no ACL são anunciadas, aumentando as oportunidades de crescimento e aquisição de energia renovável. Tais tendências são especialmente fruto da competitividade dessas fontes, dos descontos da TUSD às fontes incentivadas, e também do trabalho dos investidores, que apesar das adversidades e incertezas do curto prazo, acreditam e apostam no futuro renovável do país.
Fonte: CanalEnergia - Camila Ramos