Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) mostra que Campinas tem potencial para gerar energia elétrica a partir do lixo. Atualmente, a cidade produz cerca de 1.400 toneladas por dia, o que dá em média 1,2 quilos por morador, segundo dados da Secretaria Municipal de Serviços Públicos. Com essa quantidade de resíduos seria possível fornecer eletricidade para cerca de 15 mil residências, segundo a Abren.
O vice-presidente da associação, Rubens Herber Aebi, explica que Campinas foi um dos municípios selecionados para o mapeamento feito pela entidade. De acordo com ele, o levantamento concentra “praticamente metade” da população nacional. “Nós identificamos 30 localidades no Brasil, entre cidades e regiões metropolitanas, com as características necessárias para a implementação de uma Usina de Recuperação Energética (URE). Campinas é um dos municípios selecionados por conta da quantidade de lixo de que produz”, explica.
O processo de geração de energia ocorre a partir dos resíduos sólidos secos que não podem ser reciclados ou utilizados no processo de compostagem, segundo Aebi. Ainda de acordo com o ele, esses resíduos são levados às UREs, que são as plantas de tratamento térmico presentes em diversas cidades do mundo como, Paris (França) Mônaco, Lucerna (Suíça), Rosignano (Itália), Shenzhen (China) e Copenhague (Dinamarca).
“Nesse processo de recuperação de energia temos um custo ambiental excepcionalmente reduzido, uma vez que diminui consideravelmente o volume de lixo que vai para aterros, evitando assim a contaminação do solo, como ocorreu em Brasília com o chamado Lixão da Estrutural”, destaca Aebi. O antigo aterro do Distrito Federal, lembra ele, provocou a contaminação de águas subterrâneas e foi fechado em janeiro de 2018, após uma determinação do Tribunal de Justiça.
O vice-presidente da Abren aponta ainda que o levantamento elencou a produção diária de lixo das cidades selecionadas e constatou que Campinas tem uma produção de lixo diária semelhante a Belo Horizonte, que tem mais do que o dobro da população campineira – 1,2 milhão ante os 2,7 milhões da capital mineira. Aebi explica que a associação faz um cálculo, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Nacional de Resíduo, para apontar o custo médio ambiental que cada cidade tem com saúde pública por causa dos aterros. Segundo a Abren, Campinas tem potencial de economizar cerca de R$ 30 milhões.
Para defender as vantagens ambientais do processo de recuperação energética de resíduos, o vice-presidente da Abren diz que a as usinas de recuperação térmicas “gera um mínimo de poluição” em razão do uso de tecnologias de controle de gás carbônico por meio de filtros.
“O lixo depositado no aterro polui 15 vezes mais a atmosfera devido ao gás metano gerado. Os filtros das plantas são tão seguros que a usina de Mônaco, por exemplo, fica a poucos metros do Palácio Real. Os turistas não sabem, mas a planta de Paris está próxima à Torre Eiffel”, exemplifica Aebi que revelou que a Abren deve apresentar o estudo para as cidades selecionadas ao longo deste ano.
O secretário de Serviços Públicos de Campinas, Ernesto Dimas Paulella, diz que considera a recuperação energética de resíduos “o modelo mais eficiente, apesar de ser muito caro”. O secretário revela, inclusive, que visitou uma usina de recuperação na Suíça e constatou que elas realmente funcionam dentro da cidade. “Em minha opinião, esse é um modelo ideal para o lixo seco, já que praticamente não gera rejeitos, que são da ordem de 2% a 3% de cinzas. O problema é que os filtros poderosos custam 50% de toda a usina”, aponta Paulella que explicou que, embora reconheça a eficiência do modelo, não acredita que ele tenha fácil aceitação dos órgãos brasileiros de fiscalização ambiental.
“A incineração tem um problema. Mesmo com todos os filtros, com toda a tecnologia que envolve, ainda escapa um produto chamado dioxina, que é uma substância química criada de forma inadvertida a partir da queima do cloro. Dioxina é cancerígena e, por isso, há muita restrição no Brasil e em todo o mundo”, destaca o secretário.
Ainda de acordo com Paulella, o processo de recuperação energética por meio da incineração é “condenado pelos movimentos de sustentabilidade” e, por isso, teria “difícil aceitação” nas cidades brasileiras. “Falando tecnicamente, eu não deixei de achar que [a recuperação energética de resíduos] é o modelo mais eficiente. Mas é uma forma condenada do ponto de vista ambiental e nós, como agente públicos, temos que olhar para essas questões. Porque certamente teremos a atuação do Ministério Público e movimentos ambientalistas”, esclarece o secretário, que explicou que a Prefeitura de Campinas quer expandir o trabalho de reciclagem e compostagem da cidade.
Hoje, 90% dos resíduos têm como destino o aterro
Atualmente, 90% dos resíduos gerados diariamente em Campinas vão para aterro sanitário. A usina de compostagem processa 100 toneladas por dia, mas tem capacidade para 300 toneladas. “Estamos em um período de adaptação e dentro de dois a três anos vamos conseguir fazer essa expansão do processo”, revela Ernesto Paulella, secretário de Serviços Públicos, Segundo ele, o total de lixo que vai para compostagem representa 7% dos resíduos de Campinas e a meta, ao processar 300 toneladas, é chegar a 40%. A reciclagem, por sua vez, comporta apenas 3% do entulho produzido na cidade e o objetivo é aumentar para 25%.
“Na nossa equação, o tratamento de lixo prevê uma usina de reciclagem, para reciclar até 25% dos resíduos produzidos, uma usina de compostagem, com a capacidade de 300 toneladas, e uma terceira usina que será de CDR, o chamado combustível derivado de resíduo, que é a produção de carvão a partir do lixo”, aponta Paulella, que explicou que esse carvão substitui o carvão natural nas caldeiras de indústrias, por exemplo.
O secretário, no entanto, lembra que a Prefeitura de Campinas teve que anular a contratação de uma parceria público-privada para a gestão do lixo de Campinas. O certame estava suspenso desde maio de 2020, após decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que acatou questionamentos de empresas interessadas em relação aos critérios técnicos e preço, além da exigência de atestados de capacidade técnica.
O contrato, que previa o pagamento de R$ 10,5 bilhões ao longo de 30 anos, trazia a exigência de investimentos de R$ 900 milhões na construção das três usinas: reciclagem, compostagem e CDR.
Paulella explica que a Prefeitura está “refazendo toda a PPP” para atender o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que foi atualizado e está com consulta pública aberta até o dia 3 de abril. A minuta do plano atualizado pode ser consultada na página da Prefeitura. “Estamos refazendo todos os cálculos para realizar a audiência pública. No dia 7 de abril, vamos realizar uma audiência pública, de forma remota, por meio de um endereço eletrônico que será divulgado posteriormente pela Prefeitura”, finaliza.
Fonte: Correio Popular