Nest, Perfin, Quasar, Pandhora se somam a JGP, Fama, Constellation, SulAmérica, Vox, Mov e Rise Ventures; Entre os bancos, BTG, Santander, Itaú e Safra lançam iniciativas.
A pandemia acelerou a busca por investimentos com viés social, ambiental e de governança (conhecido pela sigla em inglês ESG). No Brasil, o movimento cresce com a adesão de gestoras de recursos dos mais diversos universos a algum tipo de filtro para incorporar a sustentabilidade na seleção de ativos, com esses fatores passando a compor a avaliação de risco.
Assets tradicionais vêm integrando algum tipo de metodologia para escolher ativos de empresas que adotem boas práticas, como JGP, Fama, Constellation ou SulAmérica Investimentos. Gestoras ligadas aos bancões também reformularam a sua oferta de carteiras ESG, como Santander e Itaú e, mais recentemente, o Safra, que passou a aplicar critérios do suíço J. Safra Sarasin para um novo fundo local. Mas há outros nomes avançando nessa seara, como Nest, Perfin, Quasar e até a gestora de fundos quantitativos Pandhora.
No universo do capital de risco é emblemática a oferta do BTG Pactual para levantar até R$ 1,2 bilhão num fundo de private equity (que investe em empresas de capital fechado) de impacto - termo usado para designar investimento em empresas que não buscam apenas retorno financeiro, mas também um efeito positivo na sociedade. Vai ser um grande termômetro da demanda por iniciativas desse tipo, num segmento que no Brasil ainda é bastante restrito, com poucas gestoras dedicadas, como Vox, Mov ou Rise Ventures.
A proliferação da cultura ESG nas gestoras de recursos é uma das formas mais poderosas para pressionar as companhias a se comprometerem com critérios de sustentabilidade, diz Sonia Favaretto, SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU, especialista em sustentabilidade e colunista do Valor Investe. “A principal força que age sobre as empresas é o investidor, porque o consumidor, que poderia exercer maior influência, tem que fechar as contas no fim do mês e, muitas vezes, comprar produtos ESG é mais caro. Ele tem o poder, mas ainda não o ambiente, por questões sócio-econômicas.”
Na primeira semana na rua, o BTG já tinha demanda para 15% do que pretende captar no fundo de impacto, um ritmo acima do previsto, segundo um alocador que participou de uma das rodadas de apresentação. A tese que vem sendo colocada é que há muitas empresas que poderiam causar impacto, mas sem um empurrão financeiro e de governança não conseguem atingir esse objetivo. O retorno aguardado com cada projeto, com maturação média esperada em quatro anos, é entre 15% e 20%, em linha com o das carteiras de private equity convencionais.
Já a Rise Ventures acaba de fechar a captação da primeira parcela, com R$ 30 milhões, de um fundo de impacto em que planeja levantar R$ 300 milhões até meados de 2022, segundo Pedro Vilela, CEO e sócio-fundador da gestora. “As companhias que não praticarem isso vão perder valor ao longo do tempo. Não é modismo, é necessidade do mundo novo consumidor.”
Criada em 2016, a gestora pode ser considerada uma novata no segmento de private equity no país, mas já fez três investimentos: na Beleaf, do setor de alimentação à base de plantas; na Alba Energia, que trabalha com energia solar; e na Okena, que atua na gestão de resíduos industriais. Agora, trabalha na seleção de sete novos negócios relacionados a consumo de alta recorrência, de bens e serviços considerados essenciais, fora do badalado segmento de tecnologia pura.
Os alvos são companhias com fluxo de caixa ainda restrito, com faturamento anual entre R$ 20 milhões a R$ 50 milhões, caras para investidores-anjos, mas ainda fora do radar dos grandes fundos, diz Vilela. Os aportes variam de R$ 7 milhões a R$ 15 milhões por empresa. A partir do momento que ganham algum porte, com receitas entre R$ 150 milhões e R$ 300 milhões, o plano é vender para outros fundos de private equity, a pares estratégicos ou fazer a listagem na bolsa. O retorno estimado é de 25% a 30% ao ano.
Fora do eixo Rio-São Paulo
Tanto do lado da captação quanto da aplicação de recursos, o esforço da Rise tem sido sair do eixo Rio-São Paulo. Nesta primeira parcela captada, um terço dos recursos vieram de outras localidades e o mapeamento dos negócios tem sido feito no Brasil inteiro.
A Perfin foi atrás da consultoria em finanças sustentáveis SITAWI para certificar o seu fundo de infraestrutura, o FIP Apollo Energia. Listado desde janeiro de 2020 na bolsa, a carteira tem cerca de 6 mil investidores pessoas físicas e não necessariamente vai atrair um público diferente com tal selo, diz Carolina Rocha, executiva-chefe de operações da gestora. O portfólio, desenhado sob as regras de isenção tributária para o investidor individual, não permite o capital externo. “Já havia no regulamento restrição para investimentos em geração não renovável. Os questionamentos provocados pela auditoria levaram a melhorias e ajudaram a validar a própria área de infraestrutura da gestora”, diz Carolina.
Para este ano, o plano é levar engajamento para os fundos de ações líquidos, influenciar as empresas investidas a buscar, por exemplo, maior eficiência energética, fazendo a intersecção com o braço de infraestrutura. “A ideia é menos criar produtos ESG ou simplesmente riscar ‘isso eu faço, isso eu não faço’ e mais de incorporar, trazer a temática de forma mais orgânica para dia a dia das companhias.”
De 2017 para 2018, a Perfin se tornou signatária do Principles for Responsible Investment (PRI). A casa avalia pelo menos 26 fatores para dar um rating para as empresas alvo para sua carteira. A análise perpassa a indústria, a competição, o alinhamento dos executivos que tocam o negócio com governança e práticas sociais e ambientais. “Isso tudo entra no balanço de risco e retorno. Qualquer empresa pode ser elegível, mas vai ter participação menor na carteira se a nota for ruim.”
Carolina conta que a gestora já investiu, por exemplo, em Vale, mas numa parcela muito pequena, para que um evento ambiental negativo tivesse impacto menor no portfólio. Já para Petrobras — a avaliação é que a companhia está sujeita a interferências políticas — a nota de governança não é boa, e o papel também tem ficado fora do portfólio.
Na gestora de fundos quantitativos Pandhora, o envolvimento dos sócios-fundadores com causas ambientais levou a uma reflexão sobre o uso de capital como vetor de mudanças, diz Alexandre Bossi, do grupo de formação da casa. “As nossas carteiras já tinham filtro de alocação de capital, mas a vontade era fazer isso de forma quantitativa”, diz.
Há pouco mais de um ano, o sócio Flávio Duarte liderou estudos para incorporar à gestão modelos que possibilitassem isso. Fez um teste considerando diferentes filtros ESG em sua carteira de ações direcional, entre 2015 e 2020. Ao considerar setores que de forma direta ou indireta têm atividades que impactam o meio ambiente, os gestores atribuíram um desconto a essas ações. O peso dos ativos na carteira foi então reduzido entre 20% até a exclusão total. Mesmo aplicando esses filtros, não houve redução significativa da rentabilidade anualizada e do índice de sharpe, que mede a relação entre risco e retorno.
Sem métricas uniformizadas no mercado para essas questões, a Pandhora decidiu construir a própria metodologia, sem excluir nenhum setor de cara. “A gente penaliza, mas não exclui. Se a empresa é de combustíveis fósseis, mineradora ou siderúrgica vai ter um peso pequeno”, diz Duarte. “O mercado brasileiro é muito pequeno e boa parte da nossa bolsa é formada por essas empresas.”
A Nest começa a desenvolver processos para estar aderente a práticas de responsabilidade e de neutralidade de carbono até 2022, segundo o sócio responsável por crédito, Otávio Vieira. “Não vejo fundo deixando de comprar a ação ou a dívida de uma XPTO da vida, mas aquelas empresas que não tiverem protocolo para não agredir o meio ambiente, que comprem insumo de fornecedor que tem trabalho escravo ou atrase pagamento aos fornecedores, asfixiando as pequenas, elas vão ser punidas.”
Com a tendência de o investidor migrar para carteiras mais relacionadas à economia real, como private equity, crédito estruturado e infraestrutura, as preocupações ESG estão longe de ser uma onda passageira, prossegue o gestor. “Mesmo antes da pandemia, com as catástrofes naturais, já havia foco nisso. A covid-19 só acelerou. As companhias orientadas para as questões ESG vão ter custo de capital mais baixo, na média. Pode até não influenciar nas receitas, mas tem impacto sobre os passivos.”
Focada no mercado de crédito, a meta da Quasar é ter todos os fundos enquadrados em ESG até 2023. A casa formulou uma política interna de investimento em que segue sete etapas. A diligência inclui a categorização de riscos e oportunidades, análise da contribuição ambiental do projeto ou da companhia à integração ESG. A gestora é signatária da plataforma “Investidores pelo Clima” e obteve em outubro o certificado de neutralidade de carbono pela Moss.Earth.
Mariana Oiticica, corresponsável pelas áreas de ESG e impacto do BTG, diz que o banco já consegue colocar as questões da sustentabilidade em várias linhas de negócios, como emissões ou investimentos em participações, mas na gestora de recursos esse passo é mais complexo. Ela diz ser difícil criar filtros restritivos por causa da concentração da bolsa em setores controversos. A tendência, afirma, é criar produtos “ESG compliance”, a exemplo do ETF ESG, que estreou na B3 em outubro. “Nossa preocupação não é desenvolver vários produtos ESG, mas alguns que sejam reais em impacto positivo e que consiga mensurar e mostrar, com retorno condizente, tão bom quanto o investimento tradicional”, diz.
O que ela vê como tendência é a busca por investimentos do tipo pelas novas gerações. “Antes era um movimento mais do institucional, agora vemos a vontade de investir com propósito, levando alguns riscos ESG com mais frequência, diz Mariana.
Vilela, da Rise, cita que entre pais, mães e avós que estão no comando das fortunas familiares há quem ainda confunda o investimento de impacto com filantropia, mas na hora da sucessão tem a virada de chave. “Os mais novos têm absoluta intencionalidade no investimento, sabem que não há nenhum tipo de dualidade entre ganhar dinheiro e provocar uma transformação positiva."