Após amargar longa crise com paralisações e demissões em massa por problemas ambientais, o polo siderúrgico retoma a produção de ferro gusa no Distrito Industrial de Marabá
Após amargar longa crise com paralisações e demissões em massa por problemas ambientais, alto preço de produção, escassez de mercado, dentre outras dificuldades, o polo siderúrgico de Marabá retoma, aos poucos, a produção de ferro gusa no Distrito Industrial de Marabá (DIM).
No auge da produção, por volta de 2003/2004, o complexo do polo siderúrgico instalado no DIM chegou a ter 12 siderúrgicas produzindo ferro gusa 24 horas em três turnos, operacionalizando 22 alto fornos à plena produção.
Simara, Cosipar, Sinobras, Sidepar, Ferrogusa Carajás, Brasil Novo, Usimar, Da Terra, Sidenorte, Ibérica e Maragusa/Âncora compravam a matéria-prima básica da Vale, que a transportava por sua ferrovia que liga Parauapebas (PA) ao porto de Ponta da Madeira, em São Luís (MA), com ramal em Marabá.
Um dos maiores desafios dessas empresas é equacionar a autossuficiência florestal ao longo do funcionamento da Siderúrgica, visto que a disponibilidade de florestas próprias para produção de carvão vegetal é uma condição necessária para o seu funcionamento regular e duradouro. A pressão de órgãos ambientais como Ibama e ICMBio, que aplicaram pesadas multas por conta da origem do carvão vegetal (matéria prima do gusa) é um desafio a ser superado.
Outra questão é obter um preço diferenciado da matéria-prima fornecida pela Vale, conforme atesta Zeferino de Abreu Neto, executivo do setor e presidente do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa.
Outra opção, mais cara e complexa, e de alto custo, seria alimentar as siderúrgicas com gás, construindo dutos para abastecer as plantas industriais de Marabá, solução que na opinião do ex-Presidente da Associação Comercial e Industrial de Marabá, Ítalo Ipojucan daria condição de competitividade, abandonando o carvão vegetal, o maior gargalo da produção do setor.
ACIM
Por telefone, o presidente da Associação Comercial e Industrial de Marabá (ACIM), empresário e advogado Raimundo Nonato Araujo Junior, disse que a entidade está trabalhando em três eixos que garantam condições essenciais para que o setor volte a operar o polo siderúrgico do DIM.
“A ACIM vem, ao longo do tempo, envidando esforços junto às autoridades constituídas do Executivo e do Legislativo estadual e federal no tocante à possibilidade de uma modernização da legislação ambiental vigente, nos termos em que hoje acontece no vizinho estado do Tocantins”, explicou Araujo Junior.
O presidente da ACIM destacou que a entidade tem todo o interesse que o setor volte a produzir, gerando empregos, renda e avanços para toda a sociedade marabaense e paraense. “Com fazendas licenciadas, um bom manejo florestal e tributação diferenciada, aos moldes do que é praticado para o fornecimento de madeira para a produção da indústria de celulose, criaremos condições de competitividade de preço de produção e responsabilidade ambiental”, detalhou.
Araujo Junior revelou que a ACIM tem articulado junto ao governo e à mineradora Vale um preço de minério diferenciado para as plantas industriais de ferro gusa no DIM. “Defendemos que haja a participação do poder público e da Vale como indutores desse setor, a partir de fornecimento de minério de ferro com preço diferenciado às empresas. A produção das minas da Vale são próximas ao DIM e não há porque a Vale não participe desse processo de retomada do setor guseiro”, defendeu.
No auge da produção de 12 plantas industriais de ferro gusa, a Vale fornecia ao DIM apenas 1% do total de sua produção para abastecer as indústrias em Marabá.
Derrocada
A partir de 2008 ruíram como um castelo de cartas, uma guseira estabelecidas no DIM após a outra, encerrando um ciclo econômico industrial que gerava mais de 20 mil empregos diretos, produzia riquezas, salários, compras no comércio local, incrementava o setor imobiliário e gerava dezenas de milhões de dólares com a venda da produção, toda ela exportada para o exterior; agora, surgem novos investimentos resultando na abertura de algumas siderúrgicas.
Logística
Os investidores consideram que o DIM é bem servido do ponto de vista da logística, com acesso por aeroporto, três rodovias federais, ferrovia e uma hidrovia a ser concluída com a obra de derrocamento do Pedral do Lourenço, que permitirá a navegabilidade do Rio Tocantins, prevista para iniciar no final de 2020.
O acesso ao Distrito Industrial de Marabá se dá por meio da rodovia federal BR-155 (antiga PA-150), pista simples de sentido duplo, que tornou-se uma via perigosa para o tráfego (não é de hoje) intenso de veículos de passeio, caminhões e carretas. Um caminhão que sai do DIM para acessar a BR passa por uma atividade de risco, sujeito a grave acidente. “Essa rodovia precisa de atenção das autoridades, e o ideal seria sua duplicação, com acostamentos planejados para a demanda que já havia e torna a ressurgir”, disse Francisco Arnilson de Assis, empresário e ex-gerente do Distrito Industrial de Marabá (2008 a 2010).
Na entrada do DIM caberia também um trevo, com rotatória, para não atrapalhar o intenso fluxo de veículos que passa diariamente no local.
Nas vias internas de acessos às siderúrgicas há problemas de conservação que ocasionaram vários pontos de erosão, causando riscos ao tráfego das pesadas carretas e caminhões que transportam a matéria-prima e o carvão vegetal que alimenta os alto fornos.
Novas siderúrgicas estão surgindo no DIM
Aos poucos, novas empresas ou antigas estão retomando a produção. Confira quais as empresas estão ativas e as que têm planos de operar no DIM.
Siderúrgica Âncora
Após o fechamento de todas as guseiras, eram mais de uma dezena, gerando milhares de empregos diretos e indiretos e fortalecendo uma cadeia produtiva enorme, beneficiando municípios e estados, em junho de 2018 ressurgiu a Maragusa, com o nome de Siderúrgica Âncora. Investidores mineiros arrendaram a planta industrial e hoje empregam mais de 160 funcionários, com um leque enorme de negócios envolvidos, desde o transporte de trabalhadores por uma empresa terceirizada com vários ônibus a circular em três turnos de trabalho. A Maragusa era de propriedade do Leonildo Rocha que edificou um projeto moderno de produção de ferro gusa, e ganhou vida e está produzindo normalmente.
No fechamento dessa reportagem recebemos a notícia de que a Âncora foi obrigada a suspender suas atividades na última semana por falta de matéria-prima (minério de ferro) para alimentar o seu alto forno.
Gusa Brasil
Com um novo quadro administrativo à frente, a antiga siderúrgica Sidepar. que no passado funcionava com três fornos e três turnos, com quadro de mais de 800 funcionários, ressurge como a Gusa Brasil. O forno foi reativado em 18 de dezembro de 2019 e já responde por 160 empregos diretos. Nem precisa ser um grande observador para ver nos rostos dos trabalhadores uma grande satisfação ao voltar para o mercado de trabalho, poder, com o fruto de seu suor, garantir uma melhor condição de vida para suas famílias. O brasileiro se transforma quando volta a trabalhar e essa expressão está visível, daí todos os esforços empresariais se revestem de grande importância.
Sidepar
Quando operava, a Sidepar (Siderúrgica do Pará) detinha mina própria para extração de minério de ferro, chegando a operar quatro alto fornos em sua planta no DIM sem depender da Vale para comprar minério de Ferro. Sua mina, em Floresta do Araguaia abastecia sua grande necessidade de matéria-prima. Tragada pelo efeito dominó que iniciou em 2008, o DIM viu uma a uma as guseiras fecharem as portas. Nove empresas do setor não suportaram o tranco em função da crise mundial que fez despencar o preço do minério de ferro e também do gusa.
Embora também tenha sido afetada pela queda do preço do aço, a Sinobras não entra na conta das nanicas guseiras porque sua produção é comercializada no mercado nacional e alcançou autossuficiência na produção de carvão vegetal por ter investido de forma correta e de acordo com a legislação vigente no plantio de eucalipto em dez fazendas no vizinho estado do Tocantins, mas, mesmo assim fechou. Na época dos problemas, um dos fatores que desmotivaram os diretores da Sidepar foi o baixo preço do ferro gusa que a China estava praticando no mercado internacional, vendendo o produto por US$ 200 dólares a tonelada, num famoso caso de dumping —expediente utilizado para a venda produtos a um preço inferior ao do mercado, especialmente o mercado internacional —, prática condenada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O custo para produção no DIM à época era de US$ 350 dólares. “Temos uma carga tributária muito alta. Apesar de toda a estrutura logística que possui e ainda uma mineração própria, a Sidepar também não aguentou e encerrou suas atividades”, disse Neiba Nunes que presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de Marabá.
Ferrogusa Carajás
A antiga siderúrgica Terra Norte funcionou por muitos anos com dois fornos. Foi vendida bem antes da crise do mercado mundial, tornou-se a Cikel, empreendimento dos mais organizados dentro do DIM. Com projeto moderno, o seu conjunto industrial, ambiental e de trabalho está adequado aos novos tempos, mas, foi obrigada a fechar as portas e ressurge novamente, com previsão de voltar a funcionar a partir de julho de 2020, informou um funcionário da administração com uma alegria sem tamanho. Para tanto, já foi recuperado um forno de grande capacidade produtiva. As cores estão voltando nas instalações, estruturas sendo recuperadas, renovadas. No seu momento de consolidação de produção, quando tinha dois fornos funcionando, gerou mais de 500 empregos diretos.
Carvopar
Empresa estabelecida em São Luís do Maranhão, tendo a logística como sua atividade principal, mudou-se para o DIM e está implantada ao lado da grande Gusa Brasil. Veio agregar valores à produção e gerar mais empregos. O seu proprietário está muito entusiasmado e confiante na retomada do setor.
Novos Negócios
Um ex-guseiro que pediu para não ter o seu nome revelado disse que está com suas atividades bastante avançadas na extração de minério de ferro, extração e flotação do minério de cobre. “Novos negócios começam a agitar o setor após a crise de 2008 e o governo tinha que dar uma atenção especial para esses empreendimentos”, comentou.
“A tristeza não é apenas pelo fechamento das siderúrgicas, mas por falta de uma política pública para que o Brasil não viva apenas de exportar matéria prima e depois comprar produtos industrializados lá de fora”, lamentou Neiba Nunes.