Com privatização da Eletrobras e restrição ambiental, pequenas usinas, energia eólica e solar devem ganhar espaço.
Afase de construção das grandes hidrelétricas no país parece ter chegado ao fim. A privatização da Eletrobras — aliada a maiores restrições ambientais e de licenciamento em terras indígenas — significa uma virada de página na expansão da geração de energia no Brasil. Isso porque, além de a liberação de licenças e autorizações para instalações de grande porte estar cada vez mais difícil, haverá menos recursos públicos para tirar os empreendimentos do papel. Esse movimento deve provocar uma mudança na matriz energética nacional, com entrada de mais usinas eólicas e solares, hidrelétricas de pequeno porte e a descentralização da geração.
Historicamente, as principais hidrelétricas do país foram construídas integralmente pela Eletrobras ou tiveram a empresa em todos os consórcios, sendo que as estatais estaduais participaram em menor grau desse processo. Agora, na avaliação de agentes do setor e de autoridades do próprio governo, com a conclusão da venda do controle da Eletrobras para o setor privado, a tendência é reduzir a construção das grandes usinas.
Oficialmente, o governo já deixou grandes hidrelétricas fora do radar. O Plano Decenal de Expansão de Energia, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), lista 15 usinas que podem entrar em operação até 2026, sendo as maiores delas com pouco mais de 700 megawatts (MW).
O documento aponta que o aproveitamento hidrelétrico ainda representa um vetor importante de ampliação de oferta de energia elétrica. Mas ressalta que a maior parte do potencial ainda a aproveitar se encontra na Região Norte e traz com ele uma série de desafios, principalmente de caráter ambiental, para seu uso na expansão da oferta de energia elétrica.
“Nós, na EPE, resolvemos dar um passo para trás para estruturar o processo nas grandes hidrelétricas. Existe um paradigma de que toda hidrelétrica é boa e barata. Estamos estudando para ver se todos os projetos são certos. Não é fazer qualquer hidrelétrica de qualquer forma”, explicou o presidente da EPE, Luiz Augusto Barroso.
Financiamento em xeque
Executivo responsável por planejar a expansão energética do Brasil, Barroso disse que o potencial do país até 2050 é gerar 50 gigawatts por meio da construção de hidrelétricas. Desse total, apenas 23% seriam empreendimentos que não interferem em terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação.
“Não temos nenhum preconceito contra os grandes projetos. Mas tem que respeitar uma visão da sociedade, que é restrita a esses projetos. Não estamos dispostos a fazer movimentos que mascarem os custos e os riscos”, disse ao jornal O Globo o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Paulo Pedrosa.
Apesar de não terem sido construídas apenas com estatais, as últimas grandes hidrelétricas no Brasil tiveram participação forte da Eletrobras. As usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO), e Belo Monte (PA) foram uma parceria entre a estatal e o setor privado. Junto com suas subsidiárias, a Eletrobras é dona de 49,98% de Belo Monte. Por meio de Furnas, a estatal controla 39% de Santo Antônio e, também por subsidiárias, tem 40% de Jirau.
Para o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Edvaldo Santana, não haverá mais grandes hidrelétricas de agora em diante. Segundo ele, há incertezas regulatórias e de financiamento que inviabilizam esses projetos.
“A privatização da Eletrobras é um fator relevante. Não existiriam ou atrasariam muito as obras de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. É por meio da Eletrobras que o governo consegue interferir na liberação de licenças ambientais em prazos razoáveis. Sem ela, tudo isso ficará mais difícil. Ainda assim, compensa a privatização, pois as obras acabam custando bem mais, apesar das licenças”, disse Santana.
Os recursos hídricos hoje no país que podem ser aproveitados para a construção dessas usinas estão concentrados, em sua maior parte, na região da Amazônia. Esses projetos enfrentam grandes resistências de ambientalistas e indígenas. No ano passado, o Ibama arquivou o projeto de licenciamento da usina de Tapajós, no Pará, com potencial de cerca de 8 mil (MW). O Ministério de Minas e Energia já anunciou que não tem intenção de brigar pelo projeto.
“Não acredito que haja espaço para financiamento público envolvendo grandes hidrelétricas, em razão do problema fiscal e da questão ambiental e indígena. Há barreiras que não existiam antigamente. Isso torna complexo o investimento em energia nova. Não acredito que novas grandes hidrelétricas sejam construídas”, disse o professor do departamento de Energia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Moura Severino.
Mais geração distribuída
Com menos empreendimentos gigantescos e a necessidade de ampliar a geração de energia no país, o Brasil deve caminhar para projetos de energia limpa — como solar e eólica. Além disso, o movimento deve favorecer a geração distribuída, quando a eletricidade é produzida junto ou próxima do consumidor.
“A tendência é geração mais próxima da carga distribuída. O futuro são as renováveis, como eólicas e usinas menores. O caminho vai ser esse. A tendência é muito mais sistemas menores do que as hidrelétricas”, disse João Carlos Mello, da consultoria Thymos Energia.
Fonte: Época