Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ
Ancorado nas usinas hidrelétricas como principal componente da matriz de geração da eletricidade que alimenta a indústria e nossas casas, o Brasil deverá dentro de alguns anos buscar fontes alternativas que não se esgotem. Apesar de o País utilizar menos de 40% do potencial hidrelétrico hoje, é inevitável que as hidrelétricas um dia atinjam sua capacidade máxima de produção e nos levem a uma realidade que deveria ser pensada desde já: substituir 70% de sua matriz de geração de energia elétrica, correspondentes às usinas hidrelétricas, por fontes como a eólica ou a solar.
A previsão é feita pelo professor Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético e diretor de Relações Institucionais da Coppe/UFRJ. Segundo o especialista, que defende o fim gradual das termelétricas, as quais vê como ineficazes e poluentes, é preciso um incentivo advindo do governo federal via agências para subsidiar a compra de placas fotovoltaicas para a captação de energia solar desde os telhados de casas e edifícios. “A solar, infelizmente, está atrasada”, lamenta ao comparar o avanço dessa com o crescimento da energia eólica no País, hoje com mais de 100 usinas geradoras.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
CartaCapital – Quanto da composição da matriz energética brasileira diz respeito à hidrelétrica? Quais as outras principais fontes?
Luiz Pinguelli Rosa – A geração elétrica brasileira dominantemente é a hidrelétrica, que representa 65% da potência instalada. Ou seja, são 85 gigawatts de potência de geração hidrelétrica, tirando a importação de hidroeletricidade do Paraguai, o que na soma com a produzida aqui representaria 70% da potência instalada. Em segundo lugar estão as térmicas a gás natural, que representam um total da ordem de 10%. O petróleo vem em seguida, com térmicas a diesel e a óleo, representando 5% cada. Em seguida vem a biomassa, com destaque para o bagaço de cana, que corresponde a 7%. Há ainda aenergia nuclear, com 2 gigawatts, que dá conta de 1,5% da potência instalada; o carvão usado na geração elétrica, que diz respeito a 2,5% da matriz com 3 gigawatts, e a eólica, que cresceu muito e superou a nuclear, com 2% da composição da matriz.
CC – Belo Monte, na região do rio Xingu, é a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, ficando atrás apenas de Três Gargantas (China) e Itaipu (Paraguai). A obra teve um tremendo impacto não apenas ambiental, mas também social. A justificativa do governo repousa na necessidade de geração de energia, em vista de apagões e escassez. É preciso destruir tanto para termos energia?
LPR – Belo monte ainda não está operando, não está incluída nessa lista que falei. Será uma usina grande, de 11 gigawatts. Todas as usinas têm problemas. A hidrelétrica tem esse problema visível da obra imensa, que cria uma barragem, embora a inundação de Belo Monte seja pequena, praticamente inunda o que o rio inunda. O impacto quanto à população indígena é de menos de 100 pessoas. O que existe são transformações bruscas por conta do deslocamento de operários que se concentram em Altamira. Uma obra desse tamanho tem um impacto inegável. Tanto que a Eletrobras prometeu que a próxima usina, a de Tapajós, será de plataforma, ou seja, com o entorno da floresta preservado. O nome vem da plataforma de petróleo que fica no meio do mar isolada.
CC – Para que e para quem geramos tanta energia? Para suprir a carência doméstica da população ou para satisfazer a demanda energética de atividades mineradoras, petroleiras, assim como do agronegócio e das megalópoles urbanas?
LPR – A energia é para a sociedade como um todo e para a indústria também. Se você pegar o Brasil verá que estamos em uma posição muito modesta de consumo de energiaper capta, abaixo da Argentina, Chile, Venezuela. Não temos um valor extremamente alto de consumo por cada habitante, ele é alto na classe média e entre os mais ricos. Há também o consumo industrial, que reduziu-se muito no último ano. De modo geral, não tivemos maiores problemas porque a situação hídrica já foi muito pior. Estamos com os reservatórios das hidrelétricas antigas na faixa de 40% na região sudeste, sendo que há um ano estávamos em 18%.
CC – Tivemos um período virtuoso, de boom das commodities, que poderia nos ter capacitado dar um salto qualitativo em relação a meios de produção e diversificação das indústrias. Isso poderia ter acontecido também em relação à geração de energia? Ou seja, o Brasil poderia ter investido em novas fontes de energia?
LPR – O Brasil está fazendo isso. A energia eólica é a que mais cresce no Brasil, ultrapassou até a nuclear. A solar, infelizmente, está atrasada. Apesar de já ter havido leilão, é preciso políticas para estimular o seu uso. A melhor maneira de usa-la é distribuí-la, botando placas nos telhados dos prédios. O governo federal, através de suas agências, teria de fazer esse incentivo de consumo de energia solar. Vejo o investimento crescente em eólica no Brasil, que hoje tem mais de 100 usinas geradoras, a maior parte concentrada em estados do Nordeste, como Ceará e Rio Grande do Norte. A solar está atrasada, pois é preciso um financiamento para as pessoas poderem pagar os coletores solares, os painéis fotovoltaicos.
(Obras para a construção da usina de Belo Monte, em Altamira (PA) / Foto: Regina Santos/ Norte Energia)
CC – O senhor costuma dizer que estamos na “contramão do setor de energia, porque a hidroeletricidade não é suficiente para atender a demanda, e a complementação térmica tem crescido muito com a utilização de usinas que não são eficientes”. Quais os malefícios da termoelétrica e no que o setor poderia avançar?
LPR – Quando digo contramão é no sentido de contribuir para o efeito estufa, responsável pelas mudanças climáticas. Temos usado muita termelétrica, que polui a atmosfera e é ineficiente. As melhores termelétricas são de gás natural com ciclo combinado, que utilizam uma turbina a gás acoplada a uma turbina a vapor. Mas o que temos é muita termoelétrica de ciclo simples, que queimam óleo diesel, o que é muito poluente e caro. Outro tipo que polui muito é o carvão. E, no fim, a participação termoelétrica cresce porque temos problemas com as hidrelétricas.
CC – Por que o Brasil ainda tem eventuais apagões?
LPR – Em geral, são acidentes. Em 2001, por exemplo, foi falta de energia. Não tínhamos capacidade de gerar a energia demandada, houve um colapso e fomos obrigados a racionar. Depois houve queda de transmissão de energia. Mas isso não acontece mais.
CC – Por outro lado, por que o custo da energia elétrica subiu tanto no Brasil nos últimos meses?
LPR – Por causa da geração termoelétrica. Estamos pagando pelos combustíveis que foram usados na geração termoelétrica.
CC – O Brasil deveria, na opinião do senhor, dizer sim à energia nuclear?
LPR – Não acho uma boa opção para o Brasil. A energia nuclear é muito cara e não deve ser prioritária. Há pontos positivos e negativos, como o lixo radioativo armazenado por milhares de anos e os acidentes nucleares. O ponto positivo da energia nucelar é não contribuir para o efeito estufa, pois não há emissão de dióxido de carbono, que as termelétricas emitem muito, a hidrelétrica, pouco, e a eólica ou solar, nada.
CC – Dentro da realidade brasileira, quais as alternativas às hidrelétricas quando pensamos em planejamento energético?
LPR – As hidrelétricas também chegarão a um limite e precisaremos de outra fonte, apesar de ainda haver possibilidade de expansão. Os Estados Unidos, por exemplo, utilizam 85% de seu potencial hidrelétrico. Nós usamos na ordem de 35%. Usar 100% é impossível devido a razões ambientais ou relativas ao impacto com as populações indígenas. Mas dobrar essa capacidade ainda seria possível. É possível dobrar, utilizando alguns projetos que impactam menos ou que são feitos em áreas sem tanta floresta mais, como no Tapajós, onde a ideia é fazer uma usina plataforma. Será, provavelmente, o modelo a ser seguido depois de Belo Monte.
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