O gás natural ganhou importância na matriz elétrica nacional e tornou-se a principal fonte de base do sistema. Com participação inferior a 5% no início dos anos 2000, o insumo tem respondido por quase um terço da energiaelétrica consumida nos últimos dois anos, volume recorde. Com a exploração do petróleo na camada do pré-sal, a construção de usinas hidrelétricas sem grandes reservatórios e os investimentos em fontes intermitentes, como asolar e a eólica, as térmicas tendem a ganhar mais espaço. Um efeito negativo: o uso constante de termelétricas provocará um aumento na emissão de poluentes.
“O gás tornou-se um combustível importante para a matriz e isso pode ser ampliado com o pré-sal”, afirma o diretor de relações institucionais da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa. Em 2011, a indústria respondeu por dois terços do gás consumido e o setor elétrico, por 17%. Dois anos depois, o setor elétrico representou 43% do consumo e a indústria, 46%.
Em 2015, por causa da estiagem rigorosa, cerca de 50% do insumo foi usado pelas usinas termelétricas, que consumiram pouco mais de 50 milhões de metros cúbicos por dia, quase dez vezes mais a quantidade utilizada em 2009. A demanda crescente do setor elétrico e o interesse das indústrias pelo insumo se somam ao plano de desinvestimento da Petrobras, que estuda a possibilidade de se desfazer de gasodutos e térmicas. Atualmente a estatal domina todas as etapas do processo, da produção à distribuição. Para o diretor-comercial da Gas Energy, Ricardo Pinto, o programa de venda de ativos da estatal atrai a atenção de diversas empresas interessadas em investir no mercado de gás natural. “Há um movimento de muitos agentes de olho nos ativos e na tentativa de entender o mercado nacional, cuja demanda do segmento industrial pode ser impulsionada, além do crescimento da importância do gás para o setor elétrico.”
A demanda reprimida no setor industrial é claramente reprimida. Um exemplo está na Região Sul. Estima-se que o consumo poderia chegar a 60 milhões de metros cúbicos até 2019, incluído Mato Grosso do Sul, mas os contratos atuais, firmados em 1998, garantem um fornecimento de apenas 12 milhões de metros cúbicos. A fatia do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) que cabe ao Rio Grande do Sul é de cerca de 3 milhões de metros cúbicos diários. Pouco mais de 1 milhão de metros cúbicos por dia são destinados às térmicas no estado e o restante, 1,7 milhão de metros cúbicos diários, abastece as residências, o comércio e a indústria. Segundo estimativa conservadora de um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o volume precisaria dobrar até 2019.
O maior uso do gás no setor elétrico tem ampliado a queda de braço com a indústria. “Há dificuldade para contratar gás, que agora tem a preferência do setor elétrico”, diz o superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro, Lucien Belmonte. “No curto prazo, a expansão do gás está ligada ao Gás Natural Liquefeito, mas no médio prazo teremos mais insumo com o pré-sal”, diz o presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas, Mauricio Tolmasquim.
Assim como na eletricidade, o preço é outro entrave para a indústria. A exploração de gás não convencional tem atraído empresas para os Estados Unidos, de olho no preço do gás, vendido a 4 dólares o milhão do BTU. No Brasil, as indústrias pagam três vezes mais. “O gás representa 30% dos nossos custos e reduz nossa competitividade”, diz Belmonte, que representa os vidreiros, responsáveis por um consumo de pouco mais de 1 milhão de metros cúbicos diários. Uma das esperanças é a chegada de novas empresas na área de exploração e distribuição.
O afastamento da Petrobras do setor de gás, mesmo com a venda de participações minoritárias, tenderia a atrair novas empresas interessadas. “Outros investimentos poderão ser acelerados, pois existe a demanda do setor elétrico e da indústria e as empresas vão buscar maneiras de elevar a oferta com o pré-sal. Essa nova só deve começar de fato em 2020, quando a curva de produção de óleo e gás crescer”, destaca Pinto. Os chineses da Beijing Gas estão entre os potenciais interessados nas participações. Empresas de energia, como a Cemig, observam preliminarmente os ativos de geração térmica. A estatal discute a venda da malha de gasodutos, terminais de regaseificação de Gás Natural Liquefeito e térmicas. O primeiro ativo vendido foi a participação de 49% na Gaspetro, que reúne a presença acionária em 20 empresas de distribuição de gás natural, para a japonesa Mitsui no fim do ano passado.
Os ativos da Petrobras tornam-se mais atraentes por conta da exploração dos campos de pré-sal. Nas estimativas da EPE, em 2024 a oferta de gás poderá ter um incremento na produção líquida potencial de 56 milhões de metros cúbicos para 99 milhões de metros cúbicos por dia. Testes preliminares apontam que os campos da nova fronteira exploratória são ricos em gás, mas há dúvidas sobre a viabilidade comercial da distribuição e comercialização.
A primeira dúvida é sobre o custo de produção, pois os poços estão a 300 quilômetros da costa e contêm muito gás carbônico. O custo de separação do CO2 é alto. Outra incerteza refere-se à Bolívia, que responde pelo envio de 30 milhões de metros cúbicos diários. “O contrato entre o Brasil e o país vizinho expira em 2019, mas há dúvidas se os bolivianos terão capacidade de honrar o contrato. Desde 2005, com a nacionalização das reservas e a fuga de empresas estrangeiras, a produção estaria estagnada”, diz Pinto. Hoje, cerca de 30% do mercado é atendido pelo gás boliviano, montante essencial para atender com segurança à matriz elétrica.
As oportunidades de aumento da demanda têm levado diversas empresas a analisar novos investimentos. No fim do ano passado, ao ganhar dois projetos em um leilão realizado pelo governo, o grupo gaúcho Bolognesi tornou-se o maior investidor em regaseificação. Serão aplicados pouco mais de 6 bilhões de reais para a construção de duas usinas e dois terminais, um no Rio Grande do Sul, outro em Pernambuco. Já o governo de São Paulo e empresas, entre elas a Comgás, estudam a atração de um terminal de regaseificação em Santos, litoral paulista, o que seria um passo inicial para uma nova rede de gasodutos com foco no escoamento da produção do pré-sal na Bacia de Santos.
Há outro ponto debatido no setor. A exploração dos recursos não convencionais, ou seja, do gás extraído de formações rochosas a partir do fracionamento hidráulico. Nos Estados Unidos, a técnica provocou uma revolução. Tornou a maior economia do mundo o maior exportador de óleo e gás do mundo, à frente de Arábia Saudita e Rússia. O acesso aos hidrocarbonetos em formações rochosas fez a produção de petróleo dos EUA pular de 5 milhões de barris/dia, em 2008, para mais de 12 milhões de barris/dia, seis anos depois.
A tecnologia é, no entanto, cercada de polêmicas. Estudos de universidades norte-americanas apontam o aumento de abalos sísmicos em áreas próximas àquelas onde a exploração é feita. O estado de Nova York, por exemplo, instituiu moratória sobre as atividades de produção. Na Europa, a França baniu a produção em 2011, mas discute levantar a sanção.
O início da exploração de gás não convencional coincide com a ameaça de racionamento de água em algumas das maiores cidades do Brasil, o que pode aumentar a polêmica. O gás de xisto é extraído de hidrocarbonetos presos em formações rochosas impermeáveis em áreas subterrâneas profundas. Por serem rochas muito duras, a produção só é possível quando a pedra que contém esses gases é quebrada sob pressão da água, em uma técnica chamada de fracionamento.
O Brasil é detentor de uma das dez maiores reservas de recursos não convencionais no mundo. Em 2013, foi realizado o primeiro leilão com foco em áreas terrestres, com o objetivo de abrir essa nova fronteira exploratória. Mas tramitam ações do Ministério Público Federal nos estados onde os blocos foram concedidos, casos de Paraná e Piauí, que suspenderam o início da prospecção. O Congresso discute um projeto de lei que suspende a exploração do gás de xisto pelo período de cinco anos, até a obtenção de mais dados sobre os impactos da atividade.
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