Potenciais usos incluem descontaminação de água, uso em células solares e até como sensor de gases tóxicos.
O colorido da descoberta: os cristais são semicondutores de energia e interagem muito bem com a luz. Eles foram desenvolvidos a partir da mistura de duas moléculas orgânicas e cobalto
Foto: Divulgação/Evandro Castaldelli
Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP resultou em um cristal que apresenta propriedades semicondutoras e que interage muito bem com a luz. Essas características fazem dele um produto inédito com potencial de aplicação em várias áreas. O autor do estudo, o químico Evandro Castaldelli, acaba de publicar na revista científica Nature Communications, uma das mais conceituadas do mundo, um artigo onde o material é descrito.
“Entretanto, todo esse potencial ainda precisa passar por testes e estudos aprofundados para confirmar as possíveis aplicações”, adverte Castaldelli. Entre essas aplicações, o químico cita descontaminação de água; catalisador para produção de novos compostos químicos, como fármacos; e até em células solares de geração de energia, em dispositivos eletrônicos ou como sensor de gases tóxicos.
A pesquisa que originou o artigo da Nature Communications foi realizada durante a tese de doutorado de Castaldelli na FFCLRP, sob a orientação do professor Grégoire Jean-Francois Demets. O estudo foi desenvolvido em uma colaboração internacional entre a USP (Brasil), o Advanced Technology Institute da University of Surrey (Reino Unido), a University of Warwick (Reino Unido) e a Université de Grenoble-Alpes (França). Além de Castaldelli e Demets, assinam o artigo os pesquisadores S. Ravi P. Silva, K. D. G. Imalka Jayawardena, David C. Cox, Guy J. Clarkson, Richard I. Walton, Long Le-Quang e Jerôme Chauvin.
Os cristais foram criados com duas moléculas orgânicas e o elemento químico cobalto (Co). Uma molécula orgânica é formada, basicamente, por carbono, hidrogênio e oxigênio, além de outros elementos. A primeira molécula orgânica usada pelo pesquisador foi o ácido tereftálico; a outra, foi a naftaleno diimida. Essas duas moléculas foram colocadas em um reator (local onde ocorrem reações químicas), juntamente com o cobalto. O pesquisador utilizou solvente orgânico para dissolvê-las e a mistura foi levada ao forno. Vários testes foram realizados até chegar ao tempo e à temperatura adequados para que o pesquisador obtivesse o resultado final: os cristais.
Líquido resultante da mistura entre as duas moléculas orgânicas e o cobalto após serem dissolvidos em solvente orgânico – Foto: Divulgação/Evandro Castaldelli
Propriedades inéditas
A grande inovação da pesquisa de Castaldelli está nas propriedades que os cristais por ele criados apresentam: a semicondutividade e o fato de interagirem muito bem com a luz solar. Isso porque a junção de duas moléculas orgânicas e um elemento químico (como o cobalto) pode formar aquilo que, em química, é denominado de MOF, sigla em inglês para metal organic framework. Em português, isso poderia ser traduzido como “rede de coordenação orgânica-inorgânica”. Entretanto, as MOFs até então conhecidas não têm essas propriedades que os cristais desenvolvidos por Castaldelli apresentam. “As MOFs existentes, em geral, não são condutoras de energia. Na maioria das vezes elas apresentam propriedades isolantes”, informa o pesquisador.
Segundo ele, o ácido tereftálico já é usado para produzir MOFs. Quanto à naftaleno diimida, o químico conta que já tinha certa familiaridade, pois trabalhou essas moléculas durante o mestrado: são moléculas semicondutoras que interagem com a luz. Inicialmente Castaldelli começou os testes apenas com o cobalto e a naftaleno diimida. Somente depois decidiu trabalhar também com o ácido tereftálico. O cobalto foi utilizado pois, de acordo com o pesquisador, trata-se de um metal com propriedades magnéticas e espectroscópicas muito ricas. Propriedade espectroscópica pode ser entendida como a forma como os elétrons do metal interagem com a luz.
Ilustração mostra a estrutura molecular dos cristais. Clique para ampliar – Imagem: Evandro Castaldelli
O pesquisador conta que as MOFs existentes atualmente são, em geral, porosas e têm a capacidade de aprisionar gases. “Isso já é estudado há bastante tempo. Muitos cientistas querem estocar hidrogênio para usá-lo como combustível em veículos. Mas se for colocado dentro de um cilindro, como fazemos com outros gases, ele pode explodir. Então há vários estudos que utilizam MOFs para estocagem de hidrogênio”, relata. Outro uso clássico de MOFs é a estocagem e o aprisionamento de gases, pois elas são capazes de, ao mesmo tempo, aprisionar um gás e liberar outro. Elas também são usadas como catalisador – substância química que acelera uma reação química.
O pesquisador lembra ainda que, nos dias atuais, muito tem se pensado nas questões envolvendo processos de conversão de energia, entre eles, a busca por melhorias no funcionamento das células solares. Produzidas com silício (elemento químico semicondutor), são capazes de converter energia luminosa (fótons) em energia elétrica. E as MOFs desenvolvidas por Castaldelli, além de semicondutoras, conseguem interagir muito bem com a luz solar – algo inédito para as MOFs.
Contudo, o pesquisador é bastante cauteloso quanto à aplicação comercial das MOFs por ele desenvolvidas e salienta que ainda são necessários vários estudos para confirmar os possíveis usos. “Inclusive muitas coisas podem morrer na viabilidade comercial”, alerta. Por isso, Castaldelli continua as pesquisas em seu pós-doutorado pelo Instituto de Química (IQ) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo, sob a orientação do professor Koiti Araki, do Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia.
O cobalto (Co) é um dos elementos da tabela periódica que o pesquisador utilizou para realizar a pesquisa.
Fonte: Jornal da USP
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