Pesquisadores dizem que há muito espaço no Brasil para o desenvolvimento de novas tecnologias, além de sistemas de distribuição e gerenciamento.
Imagem: Asia Chang on Unsplash
Há uma transformação em curso no setor de energia elétrica. O aumento da demanda e o crescimento das fontes de energias renováveis – com preços competitivos – na matriz energética poderão alterar a tradicional lógica da geração centralizada e grandes empreendimentos para a microgeração.
No novo cenário, de pouco em pouco toda a demanda seria atendida sem a necessidade de grandes linhas de transmissão. É nesse contexto de transformação que se insere a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Energias Renováveis, que ocorre neste começo de agosto na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O programa congrega alguns dos mais renomados pesquisadores em áreas como energia eólica, solar fotovoltaica e solar térmica, energias renováveis marinhas, biomassa e hidrogênio.
A escola, apoiada pela FAPESP por meio da modalidade Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), reúne 160 estudantes participantes, sendo 50 deles estrangeiros de 33 nacionalidades, e tem o intuito de atrair talentos para os cursos de pós-graduação e centros de pesquisa do Estado de São Paulo.
“Não tem como saber ainda, mas podemos pensar que daqui a 40 ou 50 anos vamos chamar o que está ocorrendo atualmente de revolução, como houve a revolução industrial e depois a da eletrônica, da informática. Estamos vivendo uma mudança muito grande na forma de geração e distribuição de energia elétrica em que o cliente, atualmente um ente passivo do sistema gerador, deve passar a ser também um produtor”, disse José Roberto Simões-Moreira, coordenador da ESPCA (ou SPSASRE, em inglês) em Energias Renováveis.
Simões explica que a transformação de cliente para gerador local de energia elétrica (microgeração) traz muitos desafios. “Tem-se que gerenciar isso tudo. Quando o cliente puder vender a energia gerada a partir de seus painéis solares fotovoltaicos, ou de pequenos geradores eólicos, se muda o conceito de geração centralizada de energia elétrica. Muitas empresas distribuidoras já estão se estruturando para vender serviços na área energética com a finalidade de ajudar o cliente a se adaptar ao sistema, gerenciar e armazenar energia elétrica”, disse.
Atualmente, no Brasil, a produção local de energia, seja por painéis solares fotovoltaicos ou pequenos aerogeradores, pode ser abatida da conta de energia do cliente. No entanto, de acordo com a legislação brasileira, o excedente não é vendido. “Com isso, ninguém vai querer investir em um sistema para a produção de excedentes por microgeração”, disse Simões.
Por conta disso, há muito espaço para o desenvolvimento de novas tecnologias, além de sistemas de distribuição e gerenciamento como redes inteligentes, geração distribuída e com a aplicação dos conceitos de eficiência energética.
“O que se vê é o seguinte movimento: a tecnologia vai alimentando o uso e o uso puxa melhorias da tecnologia, tudo em um ciclo virtuoso. Com isso, aumenta-se a escala e consequentemente, algo típico da área industrial, o preço diminui”, disse Simões à Agência FAPESP.
É o caso da energia solar fotovoltaica. Em aula da ESPCA (SPSASRE) em Energias Renováveis, o professor Stefan Krauter, da Universidade de Paderborn, na Alemanha, comentou sobre a queda no custo da energia produzida por meio de sistemas fotovoltaicos.
“Há 25 anos, quando comecei a trabalhar com energia solar, o custo de produção era de US$ 2 o quilowatt-hora, supercaro. Hoje, está em US$ 0,02 o quilowatt-hora. Com esse valor, dá para competir com termelétricas”, disse Krauter.
Ele ressalta, no entanto, que o preço chega para o cliente perto de US$ 1, por causa de impostos, distribuição e custos das concessionárias. “De modo geral, cada vez que a produção é dobrada o preço cai 24%. O problema do preço não está na geração, mas na sua distribuição, impostos, por exemplo”, disse Krauter.
De acordo com o professor da Escola Politécnica da USP José Aquiles Baesso Grimoni, há dificuldades da expansão da geração distribuída, principalmente aquela produzida pelos próprios consumidores, agora conhecidos como prossumidores (combinação de produtor com consumidor). Isso porque esse novo tipo de consumidor – que também produz energia – pode injetar energia excedente na rede e abater em sua conta, podendo tornar-se independente da energia da distribuidora. No entanto, isso faria com que as distribuidoras tivessem dificuldade em manter sua infraestrutura de rede.
“Se o cliente gerar sua própria energia e não precisar mais da rede, quem pagará a rede? Então há uma discussão de separar a energia do fio. O fio será pago pelos consumidores, mesmo que eles não precisem da rede de distribuição. Isso já está ocorrendo na Alemanha e nos Estados Unidos”, disse Grimoni, que também é um dos palestrantes da ESPCA em Energias Renováveis.
Embora a tecnologia das energias renováveis esteja consolidada, há espaço para avanços tecnológicos. Atualmente, o painel fotovoltaico, por exemplo, tende a ser feito com membranas e filmes poliméricos, que permitem mais flexibilidade às matrizes instaladas sobre as edificações.
“Mesmo com o mercado estabelecido, existe ainda oportunidade. No caso das fotovoltaicas, por exemplo, há ainda o problema de ela só funcionar durante o dia. Existe uma preocupação em como armazenar essa energia. Foi mostrado aqui na ESPCA que 50% de um sistema em estação fotovoltaica ainda são armazenamentos. É bateria”, disse Simões.
O mesmo ocorre com a energia eólica, a fonte que mais cresce no Brasil. No entanto, essa fonte está dentro do conceito de geração centralizada, com grandes parques geradores em que a energia é injetada no Sistema Integrado Nacional, permitindo que o que é produzido em uma ponta do país possa ser consumido na outra.
Potência renovável
Atualmente, a fatia correspondente às renováveis (eólica, biomassa e solar) já ultrapassou a energia fóssil na representação da matriz energética brasileira. De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 66,7% da potência elétrica brasileira é de hidrelétrica, seguida por energia fóssil (15,9%), eólica (7,8%), biomassa (8,7%), fontes diversas importadas (4,8%), nuclear (1,8%) e solar (0,7%).
De acordo com Grimoni, a tendência é a matriz energética ser mais híbrida, com praticamente todas as fontes renováveis. “Assim, é possível criar sistemas complementares, combinar a produção, analisar as situações, condições de seca, por exemplo, e locais em que uma determinada fonte é mais interessante”, disse.
“É uma questão de política energética que precisa ser equacionada, pois parece que estamos entrando fora de fase: as renováveis estão subindo, as outras estão caindo e a gente está investindo mais nas que estão caindo, como é o caso das termelétricas”, disse Simões.
Existem ainda outros desafios, como a energia de biomassa. Fortemente ligadas a sistemas de cogeração – com a queima do bagaço da cana-de-açúcar, por exemplo, que sobra das usinas sucroalcooleiras, a energia é injetada na rede elétrica –, as usinas produzem a energia elétrica que elas demandam e exportam o resto, gerando receita.
“É um sistema inteligente, pois ele gera energia justamente no momento de seca. Tanto que o bagaço da cana está virando commodity, tem mercado para isso”, disse Simões.
Hidrogênio do etanol
Outro competidor muito forte que será amplamente abordado na Escola São Paulo de Ciência Avançada em Energias Renováveis é o hidrogênio. Como fonte, ele pode se transformar com o acúmulo de energia produzida a partir da eletrólise da água, por exemplo. É possível produzir hidrogênio, acumular e usar a energia à noite a partir de equipamentos chamados de células a combustível.
“Existem estudos aqui no Brasil de algumas técnicas de produção de hidrogênio não por eletrólise, mas a partir de algumas reações químicas, com utilização do etanol, por exemplo”, disse Simões. Nesse processo, o etanol passa por uma reação química com vapor de água para a produção de gás hidrogênio.
Simões acredita que a produção de hidrogênio a partir do etanol possa ser mais uma opção para a indústria sucroalcooleira. “Os combustíveis automotivos no Brasil são baseados no petróleo (gasolina, diesel e gás natural) ou no etanol. Porém, se o problema de custo das baterias automotivas for resolvido e os carros elétricos ganharem mercado, o que vamos fazer com nosso etanol? Esse é um problema com o qual a indústria sucroalcooleira do país tem que se preocupar e a célula a combustível com hidrogênio produzido a partir do etanol pode ser uma solução”, disse.
Fonte: Maria Fernanda Ziegler/Agência FAPESP
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