Painéis solares no escuro após o fim de incentivos

A lei mudou e mudaram, também, os paradigmas de utilização doméstica da energia gerada por fontes fotovoltaicas. Associações do setor queixam-se do modelo atual, que privilegia a poupança à possível receita obtida com os excessos produzidos. Um provável tiro no pé da aposta nas renováveis.

João Pereira, que vive nos arredores de Famalicão, instalou este ano um sistema fotovoltaico em casa. 
Foto: Miguel Pereira/Global Imagens

Os painéis fotovoltaicos são, já, paisagem habitual nas cidades portuguesas. Os custos mais baixos da energia solar, quando comparados com os cobrados pelas elétricas, justificam a adesão contínua verificada ao longo da última década. Ainda assim, a curva de crescimento tem registado um declínio considerável. E há um culpado, o decreto-lei 153/14.

A constatação é das associações do setor, que apontam as alterações legislativas levadas a cabo pelo anterior Governo PSD/CDS, liderado por Pedro Passos Coelho e com Jorge Moreira da Silva como ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, como motivadoras do olhar de soslaio com que os consumidores miram agora a utilização do solar como fonte energética doméstica ou empresarial.

Em vigor desde janeiro de 2015, o decreto-lei 153/14 praticamente anulou as práticas em relação aos benefícios do uso de energia solar introduzidas pelo Executivo anterior, do socialista José Sócrates, desincentivando a venda de excedentes energéticos à rede e privilegiando o chamado autoconsumo, com custos praticamente nulos.

"É um desincentivo para quem tenciona colocar painéis, porque apenas irá compensar quem, por exemplo, passa grande parte do dia em casa"

“Estes valores são uma autêntica borla à rede”, resume António Sá da Costa, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) e descrente quanto ao modelo de autoconsumo atualmente em vigor.

“É um desincentivo para quem tenciona colocar painéis, porque apenas irá compensar quem, por exemplo, passa grande parte do dia em casa. De resto, é como ter uma horta e comprar produtos fora”, exemplifica António Sá da Costa.

Na prática, o autoconsumo permite que os utilizadores não paguem, ou paguem um valor bastante reduzido, pela energia solar produzida. A questão é que quando não é possível gerar este recurso, a alternativa continua a ser a energia elétrica e aos preços habitualmente praticados pelas empresas que a dominam, como a EDP.

"Pode acontecer que haja tanta energia que a rede não responda nas devidas condições"

“Deveria continuar a ser permitida a venda de todo o excesso de energia a preços razoáveis”, defende, por sua vez, Jorge Cruz Morais, presidente da Associação Portuguesa de Energia. Que encontra várias explicações para que o autoconsumo seja cada vez mais incentivado, inclusive pelo Governo em funções, de António Costa, que não mexeu na lei lançada pelo Executivo de Pedro Passos Coelho.

“Pode acontecer que haja tanta energia que a rede não responda nas devidas condições, mas essa é uma situação que é possível alterar com relativa facilidade. Além disso, a lei anterior implicava mais incentivos do Estado, logo mais custos, o que pode levar o Governo a não querer alterar as condições atuais”, aponta.

Mais cáustica é a análise do líder do Instituto Português Energia Solar. Manuel Collares Pereira acredita que as energias mais amigas do ambiente chegam cada vez menos ao cidadão comum por falta de interesse expresso do Estado em que tal solução seja viável.

“O interesse pelas energias renováveis desapareceu, primeiro com Passos Coelho, agora com António Costa. Isto levou, inclusive, a que muitas empresas desaparecessem do mercado, levando, claramente, a uma contração forte do setor”, considera Manuel Collares Pereira.

Mesmo assim, há quem veja vantagens no autoconsumo e continue a preferir energia solar à elétrica, apesar de os estímulos não serem os de antes. É o caso de João Pereira e da família, que, nos arredores de Famalicão, instalaram este ano um sistema fotovoltaico que permite alimentar a casa que lhes serve, simultaneamente, de habitação e de sede da empresa que gerem, uma agência funerária.

“É verdade que não recebo qualquer verba pelo excedente de energia que produzo. Por outro lado, toda a que gasto não me é cobrada”, explica este engenheiro eletrotécnico de 29 anos.

Os reflexos na conta da eletricidade já se fizeram sentir, apesar do pouco tempo de experiência fotovoltaica. Contabilizados os consumos conjuntos da habitação particular e da empresa familiar, “notamos, até agosto, uma diferença de entre 80 e 100 euros no total das contas mensais”, observa João Pereira.

A instalação dos painéis da família Pereira orçou os 3000 euros. Não houve direito a incentivos fiscais, também eles retirados desde a entrada em vigor do decreto-lei 153/14. A vantagem tem mesmo que ver com os resultados finais. Toda a energia gerada por via solar praticamente não tem custos, o único gasto é mesmo o relacionado com os consumos de energia elétrica, quando não é possível qualquer outro recurso.

“Aumentou a capacidade, é verdade. Sobretudo porque aproveitamos todo o espaço disponível para conseguir colocar os painéis”, detalha João Teixeira.

Dados apurados pelo “Jornal de Notícias” relativos a 2017 (os últimos disponíveis) concluem que dos 3 598 691 de habitações familiares existentes em Portugal, apenas 12 572 possuem equipamentos próprios para a recolha de energia solar. No que diz respeito a empresas, o número baixa para as 2166.

Estes números, no entanto, podem estar longe de oferecer um retrato significativo da realidade e aceitação prática do solar em Portugal. Motivo? Ao contrário do que acontecia antes das medidas introduzidas pelo Governo PSD/CDS, o registo de utilização de equipamentos fotovoltaicos deixou de ser obrigatório, o que indicia que haverá mais consumidores dos que constam na estatística oficial.

O JN tentou obter números oficiais junto da Direção-Geral de Energia e Geologia, mas não obteve resposta em tempo útil.

Fonte: JN

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