O Reino Unido planeja acabar com a eletricidade a carvão até 2025. O que acontecerá com as enormes fábricas deixadas para trás? Uma instalação é pioneira na conversão para a energia verde.
A conversão da usina de energia Drax – de carvão em biomassa – custou R$ 3,8 bilhões — Foto: Chris Baraniuk
No trem em direção a um dos últimos locais do Reino Unido que ainda queimam carvão para produzir energia, passo por três fazendas solares. Também passo pela usina de carvão de Eggborough, que parou suas operações. Não há fumaça saindo de suas gigantes torres de resfriamento. Ela será fechada em setembro.
Mas a usina que vou visitar é diferente. Seu nome é Drax, por causa de um vilarejo de mesmo nome, e trata-se da maior usina de energia da Europa Ocidental. Em 2023, seus donos vão parar completamente de queimar carvão. Eles esperam que, em vez disto, a instalação consumirá apenas gás natural e biomassa – no caso, aglomerados de madeira triturados.
A União Europeia tem metas para reduzir a poluição nas próximas décadas e há a previsão de se fechar as usinas de energia a carvão em vários países para cumprir os objetivos. No Reino Unido, o governo planeja interromper a geração de eletricidade por carvão até 2025.
Uma história parecida ocorre em vários lugares no mundo. Muitas nações, incluindo os Estados Unidos, estão se afastando da energia a carvão à medida que outras fontes de energia se tornam mais baratas e as regulações ambientais esfriam o mercado de combustíveis fósseis.
Mas isso deixa uma grande questão: o que fazer com todas as antigas usinas?
No último século, essas unidades tiveram grande importância para o mercado global de energia. As usinas têm conexões caras a redes nacionais – e simplesmente derrubá-las pode não ser a medida mais inteligente. Muitas pessoas, incluindo os administradores da Drax, insistem que há outras saídas.
A dimensão da Drax é imponente. De cada lado das enormes construções que abrigam suas caldeiras e turbinas, estão seis torres de resfriamento. Um vapor branco segue em direção ao céu. No centro da instalação, está uma chaminé de 259 metros. E nos fundos, uma enorme pilha de carvão – o volume do depósito, no entanto, já é menor do que em tempos passados, segundo a equipe da usina.
O carvão é deixado ali até que seja levado para a estação de energia em correias transportadoras. Depois, é moído e queimado em altíssimas temperaturas. O forno aquece a água, transformando-a em vapor, que passa por um complexo sistema de tubulações e gira as turbinas a uma velocidade constante de 3.000 rotações por minuto. É uma maneira fácil de produzir eletricidade. Mas é uma maneira suja.
Mudança energética
Os dias do carvão na geração de eletricidade estão contados. Em abril, o Reino Unido ficou mais de três dias seguidos sem nenhuma energia produzida por carvão – uma redução que aconteceu muito mais rápido do que o esperado. Essa tendência significa que desde o início de 2018, o país tem conseguido um total de 1.000 horas sem energia a carvão, ultrapassando o nível do ano passado.
“Em 2012, a geração de energia por carvão foi de 45% do total da matriz energética”, disse Matthew Gray, do think tank Carbon Tracker. “Hoje, a quantidade é muito baixa”.
Da perspectiva de um operador da usina, no entanto, substituir o carvão não é fácil. Isso porque a biomassa é mais complexa de se manusear, explica o CEO Andy Koss.
“Ela entope as coisas”, diz Koss, lembrando de como as primeiras tentativas de mover a biomassa em transportadoras de carvão resultou em pedaços de madeira se desintegrando e virando poeira. A biomassa também precisa ser mantida seca o tempo todo, diferentemente do carvão.
O material também pode explodir à medida que se oxida, por isso, as pilhas devem ser constantemente verificadas quanto ao aumento de temperatura. A Drax gastou £700 milhões (R$ 3,8 bilhões) para garantir que a biomassa pudesse ser transportada por trajetos protegidos da chuva na usina.
E a estação de energia já investiu em quatro cúpulas, cada uma com 50 metros de altura, para depositar a biomassa. Todos os dias, 16 trens chegam lotados e depositam novos pedaços de madeira para garantir que o abastecimento da instalação permaneça no nível máximo.
Os vagões passam por galpões que se abrem automaticamente por meio de um mecanismo magnético. Os aglomerados de madeira passam por uma grade e são jogados em um depósito antes de serem levados para as cúpulas para o armazenamento temporário.
Em termos de operações de biomassa, “eu diria que é a maior do mundo”, afirma Koss. Na minha visita, a Drax tinha capacidade de produção de 2 gigawatts tanto com carvão quanto com biomassa. Ela agora completou sua quarta unidade de geração de energia por biomassa. As duas restantes vão, ao fim da adaptação, queimar gás.
A Drax tenta se apresentar como uma alternativa do que pode ser feito com as velhas usinas de carvão – nos lugares onde houver muita vontade e, de fato, dinheiro para pagar pelas conversões. Muitas unidades pequenas de carvão nos EUA recentemente se converteram para queimar gás – uma forma mais barata de transição do que para a biomassa.
E a Drax quer construir grandes baterias no local para estocar eletricidade. Há outros projetos semelhantes ao redor do mundo. Uma empresa canadense, a Hydrostor, desenvolveu projetos para transformar as antigas usinas de carvão em baterias de compressão de ar. O ar pode ser liberado para forçar a turbina da usina a se mover quando a eletricidade for necessária.
Há muitas outras ideias para reinventar antigas unidades de carvão. Em 2016, a China anunciou seus planos de converter algumas de suas instalações em estações de energia nuclear – embora não existam muitas notícias sobre o desenrolar das propostas desde então.
Na Dinamarca, a usina de carvão de Copenhagen será transformada em uma unidade 100% de biomassa. E no telhado de um incinerador, está sendo construída uma área de lazer com uma pista de esqui artificial.
Nem todas as conversões de usinas de carvão estão servindo à produção de energia. O Google está transformando uma unidade antiga no Alabama, nos EUA, em um centro de dados.
Rei do carvão
Também é verdade que, em alguns lugares, o carvão ainda se mantém forte. Embora tenha abandonado mais de cem usinas de carvão, a China ainda se baseia fortemente nos combustíveis fósseis como fonte de energia.
E a Alemanha, que decidiu fechar todas as estações de energia nuclear, atualmente produz mais de um quinto de sua energia a partir do carvão, incluindo o lignito – um tipo de carvão ainda mais poluente.
Um mapa interativo das estações de carvão no mundo do site ambiental CarbonBrief revela grandes usinas fechando nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, mas muitas novas em construção na Ásia.
Enquanto isso, alguns mercados questionaram o carvão e depois retornaram a ele. Em 2015, o governo de New South Wales, na Austrália, vendeu grandes instalações de carvão. Ao mesmo tempo, políticos acreditaram que a unidade seria fechada em dez anos, mas os preços da eletricidade na região escalaram. A usina está agora avaliada em cerca de R$ 2,1 bilhões e seus novos donos não têm planos de fechá-la tão cedo.
No entanto, a fé depositada no carvão pode nem sempre ser recompensada. Na Polônia, a gigante da energia PGE tem investido pesado em infraestrutura de carvão, na esperança de continuar lucrando ainda por muitos anos com o mineral. Mas isso custa centenas de milhões de dólares num momento em que as energias renováveis, principalmente eólica e solar, estão rapidamente barateando.
Também é preciso se questionar o quão verde é, de fato, a conversão de algumas usinas de carvão.
É o caso da biomassa. Embora os pedaços de madeira liberem carbono quando são queimados, a biomassa é promovida como “verde” porque as árvores cortadas podem ser substituídas ao longo do tempo, posteriormente sequestrando o carbono da atmosfera.
Mas nem todos concordam que isso realmente a torne uma fonte de energia neutra em carbono. Até mesmo a página 33 do relatório anual da Drax revela que a biomassa libera mais CO2 por unidade de eletricidade gerada do que o carvão.
Repetindo os principais argumentos a favor da biomassa, um diretor da Drax afirma que isso é compensado pela reposição das florestas que forneceram a biomassa. Diz ainda que, depois de contabilizar as florestas reabastecidas e as emissões da cadeia de suprimentos, o uso de biomassa representa 80% menos CO2 emitido na comparação com o que seria liberado se o carvão tivesse sido usado.
Mas leva décadas até as árvores crescerem. Além disso, em escala global, as florestas estão se reduzindo em tamanho total. A capacidade das florestas mundiais de reabsorver o CO2 atmosférico está cada vez menor, e não maior.
“Concordo que isso seja ruim”, diz Koss. Mas com relação ao desmatamento, ele insiste, isso “está ocorrendo fora de nossas áreas de abastecimento. Não estamos relacionados a nada disso”.
Mas isso não é suficiente para convencer alguns ambientalistas. Especialistas ressaltam que precisamos cortar as emissões já, e não nas próximas décadas quando as árvores crescerem.
A Drax espera mitigar suas emissões de outra forma: com uma tecnologia de um piloto de armazenamento de captura de carbono de bioenergia (BECCS). Nesse caso, gases da queima de biomassa na usina irão, se tudo seguir como previsto, passar por um solvente que reage com o CO2, capturando-o antes que ele entre na atmosfera. Esse CO2 pode, então, ser restaurado para que o solvente possa ser usado na captura repetidas vezes.
Pode haver claramente vida após o carvão. Mas se quisermos aproveitar ao máximo essas velhas instalações, precisamos ser competentes, ter uma mentalidade verde e estar preparados para pagar antecipadamente por resultados importantes.
O carvão produziu energia por muitas décadas no mundo. Foi um símbolo da Revolução Industrial. Em vez de simplesmente varrê-lo para longe, poderíamos nos beneficiar do uso inovador das estruturas que a grande indústria está deixando para trás.
Fonte: G1
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