As pessoas querem fazer um esforço para terem uma vida mais sustentável, mas a maior parte delas tem limitações financeiras

Helen Duphorn, Country Manager da IKEA Portugal, em entrevista à VISÃO. Foto: Luís Bar

A sustentabilidade ambiental e a redução de desperdício estiveram, desde sempre, no ADN da gigante retalhista IKEA. Ao longo dos anos, o grupo tem investido em parques eólicos, florestas certificadas, energia solar, empresas de reciclagem, entre outros, numa tentativa de se tornar cada vez mais verde. Quando as alterações climáticas e as necessidades urgentes de mudança de comportamento ocupam a agenda política e mediática, a VISÃO falou com Helen Duphorn, a country manager da IKEA em Portugal, para perceber a estratégia da empresa sueca que está na casa de muitos portugueses. A gestora salienta que Portugal fez uma mudança radical em termos de prioridades e preocupações, estando disposto a mudar comportamentos, mas salienta que a luta em prol dos Direitos Humanos, da igualdade de género e contra a violência doméstica são assuntos que andam de mãos dadas com a sustentabilidade ambiental.

A sustentabilidade é um tema para a IKEA há vários anos. Diria que é algo natural?

Absolutamente. O nosso principal objetivo, desde sempre, é ajudar as pessoas a melhorarem a sua vida em casa, o que significa que sempre tivemos e teremos de praticar preços acessíveis. Senão, não estamos a cumprir o nosso objetivo. A IKEA sempre foi muito boa a controlar os custos – e por isso é que só podemos contratar pessoas que partilhem dos nossos valores. Não há quaisquer luxos nesta empresa. Toda a gente está habituada a apanhar o autocarro, quando precisamos de voar para outro destino é sempre em classe econômica, cada um vai buscar o seu próprio café, não há quaisquer serviços extra que não sejam necessários. Seguimos exatamente os mesmo princípios na produção: tudo é pensado para que não se desperdice material, para que o processo de produção seja muito eficiente. Porque se não for assim, vai custar-nos dinheiro. 

É o mesmo no caso de não darmos boas condições de trabalho. E aqui não é apenas uma questão de dinheiro. Se queremos melhorar a vida das pessoas, temos de começar com os nossos colaboradores, e com os nossos fornecedores. Isso não é nada de novo. Pelo menos para nós. Por exemplo, eu fui responsável pela área das compras na Índia, Paquistão e Bangladesh, há 20 anos. E a parte fundamental do meu trabalho era garantir que as condições de trabalho – salários, subsídios de turnos, as próprias condições físicas – eram cumpridas.

E é possível manter preços baixos pagando um valor justo aos trabalhadores? Porque há muito a ideia de que, para ser justo na produção, tem de se cobrar muito pelo produto final.

Claro que é possível. Se não houver desperdício. E se isso for combinado com grandes volumes, não precisamos de margens enormes em cada um deles. É sempre suficiente, porque produzimos muito e vendemos muito. Há mais de 20 anos que pensamos desta forma. Digo isto para que perceba que a nossa visão acerca da sustentabilidade tem raízes muito profundas e antigas numa cultura de não haver desperdício. Tal como também temos uma cultura de cuidarmos uns dos outros, porque sabemos que, juntos, podemos realmente produzir o melhor resultado. Prestamos muita atenção ao que dizem os nossos colaboradores, os nossos fornecedores e os nossos clientes. 

Em média, temos uma relação de 10 ou 11 anos com os nossos produtores – que recebem, muitas vezes, a nossa ajuda quando precisam de fazer os investimentos necessários para serem mais sustentáveis. E, naturalmente, é importante que todas as pessoas que trabalham aqui percebam que somos consistentes, daí o grupo fazer investimentos em fontes de energia renováveis (parques eólicos, florestas certificadas, parques solares..). Se conseguirmos inspirar os nossos visitantes, os nossos consumidores, aí sim, é ainda melhor!

Sente que os consumidores portugueses estão mais sensíveis à questão do desperdício e da sustentabilidade ambiental?

Sim. Noto uma alteração, sobretudo, no último ano. Tem sido uma mudança muito rápida, e estes últimos meses foram surpreendentes. Claro que em Portugal as pessoas agora estão muito mais atentas à questão da sustentabilidade, querem ser mais responsáveis no consumo, em casa. Fizemos um inquérito enorme a consumidores da IKEA em vários países e essa preocupação é, efetivamente, real um pouco por todo o mundo. As pessoas querem fazer um esforço para terem uma vida mais sustentável, mas a maior parte delas tem limitações financeiras.

Há, muitas vezes, essa noção de que a sustentabilidade é algo para privilegiados…

É verdade, mas nós não aceitamos isso. Não pode ser assim.

Certo, mas então como é que as empresas podem trabalhar de forma a mostrar que é possível serem sustentáveis e rentáveis?

Bom, têm de começar por fazê-lo [risos]. E antes disso, o ponto de partida é pensar: que tipo de empresa quer ser? Porque está tudo nos valores e na identidade da empresa. Tal como uma pessoa: de que forma age com os seus amigos, com a sua família, com quem se cruza na rua? Temos isto na cabeça e isso reflete-se na forma como trabalhamos, como viajamos, como nos tratamos mutuamente no dia a dia. E depois, claro, se acreditamos no que estamos a fazer, podemos torná-lo real. E se se torna real, podemos convencer outros a seguir o mesmo caminho. Eu não acredito em empresas que acordam um dia e dizem “Ah, agora vamos ser supersustentáveis”. Não acredito nisso!

Mas as empresas têm um papel muito importante na sociedade...

Sim, e claro que acredito nele. Temos tantos colaboradores que vieram para cá porque acreditam na forma como trabalhamos… Quando falamos sobre sustentabilidade, há três pilares sobre os quais temos de nos focar. Primeiro, como cuidamos do nosso negócio? Isso tem que ver com o facto de tentarmos consumir o mínimo de energia e água, não desperdiçarmos comida nem material e, claro, trabalhar com todos os nossos colaboradores da forma mais sustentável possível; segundo, queremos estar socialmente comprometidos, não só nos lugares onde temos operações mas também além disso: apoiar lugares distantes onde houve desastres ambientais, por exemplo…; e, em terceiro lugar, tentamos trabalhar o nosso leque de produtos, para ajudar as pessoas neste caminho. 

Porque as nossas torneiras, efetivamente, permitem uma significativa poupança de água; porque se usarem as nossas caixas para comida, que toda a gente tem dinheiro para comprar, e que mantêm a qualidade dos alimentos muito mais tempo, reduzem imenso o desperdício alimentar e poupam muito dinheiro; já para não falar das lâmpadas LED, por exemplo… e também tentamos e esperamos ser uma inspiração no que toca à alimentação.

De que forma?

As nossas almôndegas vegetarianas – estamos a tentar ter mais opções de refeições sem carne – são atualmente o terceiro prato mais vendido no nosso restaurante e também dos produtos mais vendidos em loja, para quem as quer levar para casa. Basicamente, porque reduzimos o preço. Quando tornamos os produtos sustentáveis acessíveis, além de saborosos, as pessoas compram-nos. Eu não posso falar pelas outras empresas, só por nós.

No âmbito dessa vida sustentável, quais são os maiores desafios em Portugal?

Acho que os nossos desafios são mais ou menos os mesmos em qualquer lugar, porque o que me parece é que as pessoas querem, fundamentalmente, cuidar do meio ambiente. E querem, certamente, garantir um planeta para os seus filhos, pelo que não acho que nesse aspeto as pessoas sejam tão diferentes nos vários países. O que penso é que as pessoas não sabem realmente como o fazer. Precisam de informação, de ideias e de apoio para o conseguir. A maior parte das pessoas não tem dinheiro ilimitado, e, portanto, não pode investir em todas as soluções que aparecem; precisa de pensar duas vezes antes de gastar dinheiro. Fazer a diferença é conseguir fornecer soluções a um preço justo.

As pessoas estão, então, à procura de respostas e de quem as ajude nesse caminho?

Sim. E há ainda uma outra coisa que temos de ter em atenção, e que para nós é muito cara, que é a igualdade. Se estamos a falar de sustentabilidade, estamos a falar naturalmente também de Direitos Humanos e de dar oportunidades a toda a gente. Por exemplo, aqui sinto mesmo uma diferença em relação à Suécia, para não ir mais longe. As questões da igualdade de género, da violência doméstica, que ainda é pouco falada por cá, tendo em conta o panorama. Tudo está muito ligado quando falamos de sustentabilidade. 

Como é que alguém pode ter uma vida sustentável em casa se estiver preocupada com a própria segurança?

Uma das questões que me chamaram a atenção foi o facto de apostarem na economia circular.

or que razão um retalhista quer dar uma segunda vida aos seus móveis? Isso faz sentido em termos de negócio?

Todo o sentido [risos]. Nós estamos a produzir bons produtos, e queremos que eles durem muito, esperamos que as pessoas vivam felizes com o que compram. Se a sua irmã, a sua prima ou os seus amigos conseguirem usar mobília sua, em segunda mão, isso é incrível. Entre outras coisas, porque aumenta a confiança nas marcas. Se alguém estiver numa situação complicada e precisar de sair de casa, com filhos, por exemplo, e puder usufruir de produtos que já tenham sido usados porque continuam em boas condições, é uma ajuda preciosa....

Mas como é que uma operação sobrevive assim?


Porque as necessidades de conforto, de se sentir bem numa casa, são infinitas. Isso não significa que tenha de mudar imensas coisas, muitas vezes. Naturalmente, há situações diferentes em diversos países – é claro que na Índia temos centenas de milhares de pessoas com necessidades de mobilar a casa. Em Portugal, ou na Suíça, por exemplo, quando se visita alguém, por norma as pessoas estão muito orgulhosas das casas, é muito giro! Mas também acontece quase sempre apontarem para um quarto e dizerem: “Ah, este quarto não quero mostrar.” [Gargalhada.] E é precisamente aquele quarto que eu quero ver, porque significa que há ali espaço para novos produtos. 

É verdade que cada vez se vive mais em casas pequenas, porque toda a gente se está a mudar para as cidades, mas, na realidade, as vossas habitações não são assim tão pequenas. As pessoas têm tanto espaço que podiam usar de uma forma mais inteligente – sobretudo espaço de arrumação. Mesmo quando os casais dão o berço do bebé a uns amigos, ou passam a mesa da sala de jantar aos filhos, a verdade é que também estão a entrar numa outra fase da vida e vão precisar de outro tipo de mobília. Não é uma questão para nós. Efetivamente, encorajamos mesmo as pessoas a reciclarem e a repararem os seus produtos. E, além disso, garantimos uma relação com os nossos consumidores, o que os torna bons embaixadores da nossa marca.



Por Jornalista: MARGARIDA VAQUEIRO LOPES

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