A Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), Associação Brasileira de Empresas Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) e Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), entidades com amplo histórico e expertise no tema de gestão de resíduos e aproveitamento energético, se unem e criam a Frente Brasil de Recuperação Energética de Resíduos (FBRER). Com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, as quatro entidades assinaram o Acordo de Cooperação para Recuperação Energética de Resíduos e, de forma inédita, vão trabalhar juntas para viabilizar soluções técnicas e operacionais em prol de uma destinação mais sustentável e ambientalmente adequada dos resíduos.
Dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2018/2019, publicado pela ABRELPE, mostram que foram gerados cerca de 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, cujo volume tem potencial de gerar 14.500 GWh/ano de energia elétrica por processos de tratamento térmico. Esse total representa cerca de 3% do consumo nacional, ou o suficiente para abastecer todo o Estado de Pernambuco ou os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas juntos. Considerando ainda a necessidade de avanços no sistema de destinação de resíduos por parte dos municípios, além dos processos de tratamento térmico, o Brasil também comporta processos de tratamento biológico, pelos quais há um potencial adicional de geração de energia elétrica de 1.400 GWh/ano.
Segundo o presidente da ABiogás, Alessandro Gardemann, o trabalho em conjunto com as associações é de extrema importância para auxiliar no esforço governamental de colocar a Política Nacional de Resíduos Sólidos em prática. “O biogás é uma das formas de se promover a recuperação energética dos resíduos e a colaboração entre as associações permitirá a realização de estudos técnicos de modo a levar ao governo propostas de ações estruturadas, auxiliando na criação de políticas específicas para o setor de resíduos”, afirma.
Um estudo realizado em parceria entre a ABiogás e a Abrelpe constatou que cerca de 50% do total de resíduos sólidos urbanos gerados no país corresponde à fração orgânica, o que representa um enorme potencial para o aproveitamento energético por meio do biogás. Contudo, pouco mais da metade desse material é destinado para aterros sanitários, onde poderia haver o aproveitamento energético. “Quase 80% do biogás produzido hoje no país é oriundo de resíduos de aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto, comprovando o alto potencial energético das usinas implantadas nestes locais”, explica Alessandro.
Para aperfeiçoar a recuperação energética será necessário erradicar quase três mil lixões, que trazem graves danos ambientais, sendo substituidos por aterros sanitários regionais. Esses novos empreendimentos podem ser construídos de modo a atender dois ou mais municípios próximos, com ganho de produtividade e escala, trazendo também inúmeros benefícios ao meio ambiente. O Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR), que monitora a expedição, movimentação e recebimento dos materiais nas unidades de destinação final, também terá papel fundamental, pois evitará desvios para locais inadequados e indicará onde estarão os volumes produtivos para recuperação energética. Abiogás
“Através dos aterros sanitários regionais e a recuperação energética teremos um ganho muito grande para a sociedade e para o País, pois resolveremos um grave problema ambiental, geraremos energia e ainda teremos o conceito de zero desperdício, que é a base da chamada economia circular”, destaca Luiz Gonzaga, presidente da ABETRE. “Com um ano de funcionamento, os aterros sanitários que substituirão esses absurdos depósitos de lixo a céu aberto estarão aptos a produzir metano e, através das usinas de biogás, podemos ter uma produção elétrica quase dez vezes maior que a atual”, completa Gonzaga.
Além de contribuir para o incremento da oferta energética, a geração de energia a partir dos resíduos sólidos também beneficia todo o sistema de destinação praticado no País que ainda é bastante deficitário. Atualmente, o Brasil conta com um grande percentual (40%) de resíduos coletados com destinação em unidades inadequadas, e poucas iniciativas para recuperação dos materiais (reciclagem não supera 4%).
“Um problema histórico que prejudica a superação desse déficit, e dificulta o desenvolvimento de novas iniciativas, reside no fato de que o setor não conta com recursos adequados nem incentivos para viabilizar os investimentos necessários e o custeio das operações de maneira constante e perene, nem mesmos as básicas. Nesse sentido, a assinatura do acordo busca superar alguns desses entraves, com o estímulo a políticas públicas e ações práticas para assegurar o encerramento das unidades inadequadas (lixões e aterros controlados); parcerias para viabilizar a estruturação de novos projetos, com economia de escala e sustentabilidade financeira; e regulamentação para facilitar a comercialização e uso da energia gerada a partir dos resíduos sólidos”, observa Carlos Silva Filho, diretor presidente da ABRELPE.
A indústria de cimento, por exemplo, é o segmento com maior potencial para operar com grandes volumes de lixo urbano selecionado. A tecnologia de coprocessamento transforma resíduos sólidos urbanos e industriais e passivos ambientais em energia térmica. Neste processo, o resíduo substitui parte do combustível que alimenta a chama do forno – que transforma argila e calcário em clínquer (matéria-prima do cimento). Uma opção segura para a destinação adequada e sustentável de resíduos e de passivos ambientais em fornos de cimento.
“O setor cimenteiro pode contribuir no aumento da vida útil dos aterros sanitários e industriais e, principalmente, com as metas públicas de eliminação de lixões e aterros controlados e de recuperação de áreas contaminadas. Com o coprocessamento é possível atuar na redução das emissões, através do uso de diversas tipologias de resíduos e mais especificamente com a utilização do CDRU (Combustível Derivado de Resíduos Urbanos) em substituição ao coque de petróleo, que é o combustível mais utilizado no processo de fabricação de cimento. Vale salientar que este acordo traz um enorme potencial para ampliar as discussões e achar alternativas viáveis para que os investimentos necessários para uma destinação ambientalmente mais adequada, ocorram na cadeia como um todo, trazendo, portanto, benefícios concretos ao meio ambiente e à sociedade” diz o presidente da ABCP, Paulo Camillo Penna.
Segundo dados da entidade, enquanto a produção de cimento aumentou 273% entre 1990 e 2014 (de 26 para 71 milhões de toneladas), a curva da emissão de carbono cresceu 223% nesse intervalo, uma redução de 18% das emissões específicas (de 700 para 564 kg CO2 /t cimento)
O Roadmap Tecnológico do Cimento – documento concluído pela ABCP em 2019 – foi construído em conjunto com instituições internacionais, como: IFC (International Finance Corporation) do Banco Mundial, IEA (International Energy Agency) e Academia, aponta que o coprocessamento de resíduos será responsável pela redução potencial de 13% do total de emissões de carbono do setor, o que representa cerca de 55 milhões de toneladas de CO2 até 2050, justificando a atenção que o tema tem recebido.
“Utilizando o lixo, o setor tem como ambição de substituir até 55% do combustível utilizado hoje no processo produtivo. Além disso, por meio do coprocessamento é possível que haja a destinação definitiva, técnica e ambientalmente segura, de resíduos urbanos e industriais e de passivos ambientais; ter uma fonte alternativa de energia; apoiar a preservação de jazidas e recursos energéticos não-renováveis pela substituição do combustível convencional, além é claro da geração de novos empregos e da contribuição à saúde pública, por exemplo, no combate aos focos de dengue (pneus velhos)”, completa Penna.
Nesse cenário, é enorme o potencial de contribuição das entidades com processos e iniciativas de destinação além das estabelecidas pela PNRS, e dessa forma assumem relevantes responsabilidades no que se refere à criação de ambiente favorável à logística reversa e à geração de soluções sustentáveis para a sociedade.
Com investimentos que podem chegar a R$ 15 bilhões a partir da implantação de diferentes tecnologias, o processo de recuperação energética de resíduos vai beneficiar diretamente para a redução da geração de chorume nas unidades de disposição final; redução da geração de gases de efeito estufa, mitigando a emissão de 90 mil toneladas/ano de CO2 equivalente na atmosfera para cada mil toneladas de RSU tratado nas UREs comparável com a emissão de 5 mil carros; aumento da reciclagem de materiais contidos nos Resíduos Sólidos Urbanos, a partir de uma melhor seleção ou separação, com a consequente preservação dos recursos naturais; retorno de parte da energia consumida na produção; substituição de combustíveis não renováveis (fósseis) na produção de cimento, com resíduo processual perto de zero; e ampliação da vida útil dos aterros sanitários atualmente em operação, medida extremamente importante já que em todo o país são registradas crescentes dificuldades na implantação de novos aterros sanitários.
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