Depois de experiências de sucesso na inserção de novas fontes como parques eólicos e solares em sua matriz elétrica na última década, o Brasil quer testar em 2021 a contratação de usinas movidas a lixo em seus disputados leilões para novos projetos de geração de energia.
Usina de geração de energia com resíduos sólidos em Vancouver; tecnologia já é dominada em outros países, mas ainda busca espaço no Brasil REUTERS/Lindsey Wasson. Foto: Reuters
Os planos poderiam viabilizar tanto térmicas que usam de resíduos sólidos para entregar energia quanto empreendimentos associados a aterros sanitários, que produzem biogás e então eletricidade a partir de detritos principalmente orgânicos, disse à Reuters o presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral.
A primeira tecnologia ainda não é explorada no Brasil, embora seja mais comum em países europeus, por exemplo, enquanto a geração com biogás é adotada em pequena escala no país.
Uma primeira tentativa de viabilizar usinas como essas em leilões já ocorreu em 2014, sem sucesso, e a ideia agora é testar novamente o mercado e a disposição dos empresários em investir, disse Barral.
“O Ministério de Minas e Energia tomou a decisão de reeditar um produto específico para essas usinas nos leilões agora de 2021, justamente para fazermos uma espécie de nova grande chamada para projetos de resíduos sólidos urbanos”, explicou ele.
Essas usinas de tratamento térmicos e de biogás de aterros terão assim um espaço dedicado nos chamados leilões de energia A-5 e A-6, agendados para 30 de setembro, que contratarão projetos para início de operação a partir de 2026 e 2027.
Mas o governo não revela quanto pretende contratar, o que dependerá do volume de projetos inscritos e sua competitividade.
“Estamos na expectativa de como vai ser o cadastramento desses empreendimentos e o nível de maturidade deles. Temos expectativa que apareçam as duas modalidades (incineração e aterros)”, disse Barral.
O Plano Decenal de Energia 2030 do governo, que traça diretrizes para a expansão da matriz elétrica na década, prevê a contratação de usinas térmicas movidas a resíduos sólidos urbanos “a título de política energética e ambiental”.
O documento indica limite mínimo de expansão de 60 megawatts para a fonte no período –volume baixo, equivalente a uma hidrelétrica de médio porte, mas que poderia movimentar cerca de 1,17 bilhão de reais em investimentos.
A viabilização dessas usinas ainda vai demandar incentivos, como um preço-teto diferenciado em relação a outras fontes, uma vez que essa forma de geração ainda precisa ganhar competitividade, disse Barral.
“A princípio ela exige, sim, alguma forma de incentivo… mas de uma forma geral esses projetos são uma parcela pequena (do total)”, afirmou ele, minimizando impactos desse apoio.
Embora gerem emissões, as usinas de tratamento ´termico são consideradas “energia limpa” pelo mundo, dado seu potencial de reduzir impactos do lixo sobre o ambiente, acrescentou Barral.
“Nos resíduos você tem plásticos, que têm origem fóssil. Então, rigorosamente falando, não é 100% renovável, mas tem sido enquadrado como energia limpa sim. Inclusive muitas vezes esses projetos têm crédito de carbono pelo benefício ambiental.”
Além dos leilões, o governo trabalha em avaliações sobre a viabilidade de usinas movidas a lixo também para venda da produção no chamado mercado livre de energia e para instalação de sistemas de geração de menor porte, conhecidos como geração distribuída, segundo a EPE.
PROJETOS DISPONÍVEIS
O movimento do governo para testar usinas movidas a lixo tem animado empresários do setor, e diversas empresas possuem projetos que poderão ser inscritos nos leilões, disse à Reuters o dirigente de uma associação que reúne interessados no nicho.
“Nossa visão é que poderíamos ter até 120 megawatts sendo contratados. Não sabemos quanto o governo vai contratar. E nem a questão do preço, que é fundamental para a viabilidade. Mas tem projetos, eles estão aguardando o leilão”, afirmou Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren).
Ele estimou que usinas de tratamento térmicos, mais competitivas, poderiam vender energia entre 555 reais e 600 reais por MWh.
Isso é quase o dobro do preço-teto para térmicas no último leilão A-6 do governo e da Aneel, em 2019, de 292 reais por MWh.
“Há mais de 30 anos essas usinas já são muito utilizadas na Europa, eles têm mais de 500 plantas”, disse Yuri, ao destacar que há uma usina de tratamento térmico na região central de Paris.
Entre projetos que poderiam entrar em leilões neste ano, ele citou um envolvendo usina em Barueri, com cerca de 20 megawatts, que já tem licença de instalação, e uma em Mauá, do Grupo Lara, responsável pelo tratamento do lixo local, entre outros.
Nos sonhos dos empresários do setor está a trajetória das fontes eólica e solar no Brasil –que se resumiam a poucos projetos antes de leilões específicos voltados às tecnologias, realizados em 2009 e 2014, respectivamente. O uso de leilões competitivos para expandir a presença dessas energias renováveis acabou depois replicado mundo afora.
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